TEMENDO AS MARÉS DE SEU VAZIO
CONSUMIA
PERDIDO NA IMENSIDÃO DE TUDO QUE NÃO PODE SER POSSUÍDO
CONSUMIA
CONSUMIA E SUMIA
NO MAR DE FALSOS CONTENTAMENTOS
SUBMERSO PELA ILUSÃO DE TER
AFOGOU-SE NAS ONDAS DE SEUS DESEJOS INSACIÁVEIS
PERCEBENDO A VIDA DISTANTE
DA ORLA QUE SEMPRE REJEITOU
SEM FÔLEGO
ASFIXIADO PELO MAR DE COISAS QUE NÃO PREENCHEM A ALMA
INUNDADO POR FUTILIDADES
PRECISANDO SE ESVAZIAR
DEBATEU-SE
DA ORLA REJEITADA SURGIU O SOCORRO
TRAZENDO-O DE VOLTA
AO DURO CHÃO QUE ANCORA O SER
QUE NEM TUDO PODE TER
O NÓ DO
CONSUMISMO
Ter coisas
era o principal objetivo de Fabiana. Foi encaminhada para a terapia por uma tia
que desejava ajuda-la pensar um pouco
mais em ser uma pessoa madura e não somente uma criança mimada, preocupada em
se presentear e ser presenteada.
A vida lhe
deu algumas regalias, dentre elas, um marido trabalhador que além de satisfazer
todos os seus desejos, possuía uma grande dificuldade para lhe impor limites, o
que facilitava e estimulava o comportamento compulsivo consumista de Fabiana.
Acostumada a
ter coisas e consumi-las, não valorizava aquilo que tinha. Chegava a pregar,
orgulhosamente, que não era apegada a nada, no entanto, o que possuía não era a
virtude do desapego, mas o grande defeito de não valorizar nada daquilo que lhe
fora ofertado, gratuitamente , pela vida. Estabelecia com as pessoas ao seu
redor a mesma relação que mantinha com as coisas. As pessoas eram bem vindas se
pudessem lhe oferecer algo. Seus relacionamentos sempre foram extremamente
empobrecidos. Não recebeu na infância o amor que necessitava, possuía pais
preocupados apenas com aquisições materiais e capazes de usar os próprios
filhos em seus joguetes de poder. Os pais se separaram quando um deles deixou
de ter as coisas materiais que o outro necessitava. Fabiana demonstrava uma
forte tendência a repetir a mesma história com o marido. Este, sabendo,
inconscientemente, desta regra do relacionamento, não deixava de oferecer as
coisas que ela desejava por medo de perdê-la.
Fabiana não
conseguia ser uma mãe de verdade. Tinha um lindo filho de dois anos que era
também usado para manipular o marido e para brincar de boneca, como quase toda
criança gosta. Adorava desfilar e exibir o filho com as roupas e brinquedos
novos que comprava na passarela da vida fútil que levava. Quem via, achava que
Fabiana amava o filho, no entanto, o que ela amava eram as brincadeiras que
podia fazer com o mesmo. Não dava a ele a chance de desejar, com isso, este foi
desenvolvendo sérios problemas emocionais. Desta mãe ele ganhava tudo, menos o
seu amor autêntico e o tão indispensável
limite que toda criança necessita.
Fabiana não
conquistou o marido, tramou um jogo sujo para possuí-lo. Inicialmente, assim
que o conheceu, o rejeitou, pois este não possuía recursos financeiros que pudessem
satisfazer os seus mesquinhos interesses. Depois de algum tempo, já dotado de
uma boa situação financeira, o marido se interessou por outra garota e firmou
com esta um sério relacionamento. À partir disto, Fabiana despertou em si o desejo de possuí-lo,
não só para usufruir dos recursos que o marido conquistara, mas também, para
provar para a sua concorrente que
possuía mais poder de sedução do que ela. Em parceria com um rapaz dotado de
uma personalidade bem parecida com a sua, tramou um história perfeita de
traição fazendo com que o marido acreditasse que tivesse sido traído pela
namorada. Conseguiu fazer com que os dois rompessem o namoro e deu um jeito de
se engravidar rapidamente para garantir sua posição de esposa.
Fabiana nunca
se interessou pelos estudos. Sempre foi uma má aluna, muito agitada, dispersa,
irresponsável e desinteressada. Nunca trabalhou, mas chegou durante a terapia a
cogitar a possibilidade de iniciar um trabalho. Contudo, estabelecia com esta ideia
a mesma relação que uma criança estabelece com suas brincadeiras de faz de
conta. Queria mais brincar de “ser” alguma coisa do que viver realmente esta
posição.
Nada do que
fazia lhe causava sentimentos de culpa, pelo contrário, tinha orgulho de si por
se achar uma pessoa muito esperta e capaz de conseguir tudo que desejava.
Apresentava fortes indícios de ser portadora de uma personalidade psicopática.
Não foi capaz de dar continuidade à terapia, pois jamais se interessou em
adquirir mais sabedoria e auto-conhecimento. Se interessava apenas em ter e
usar coisas e pessoas. “Consumir era o seu lema”.
Não é necessário sermos doentes e perversos como
Fabiana para nos tornarmos pessoas consumistas. Há muita gente boa obcecada por
consumo. A sociedade nos educa para isto, cabe apenas à nossa consciência
colocar limites a esta doença coletiva que aflige um grande contingente de
pessoas. Assim, não precisamos, necessariamente, ter como Fabiana, traços
marcantes de sérias patologias para desenvolvermos uma personalidade
consumista, basta fazermos parte desta sociedade capitalista onde as coisas
materiais possuem mais valor do que o próprio ser humano que as criou. Quando
saímos às ruas somos metralhados com a informação – “Compre!”. Se ficarmos em
casa e ligarmos a TV, somos metralhados da mesma forma. Receber esta informação
desde criança faz de nós um produto interessante para o mercado e faz dos
produtos que o mercado oferece um bem indispensável à nossa vida. Desde a infância somos condicionados a sermos
pessoas compulsivas, entretanto, não percebemos isto com a mesma clareza que os
nossos olhos percebem os produtos nas vitrines deste mercado perverso. A
consciência não se desenvolve presa na jaula dos condicionamentos a que estamos
sujeitos a todo o momento. Com a nossa consciência amputada, fica muito difícil
se libertar.
As relações passaram a ter um papel secundário nesta
sociedade onde as aquisições materiais são relevantes para se medir o valor e a
competência de uma pessoa. A riqueza é medida pela quantidade de bens materiais
e não pelas virtudes que uma pessoa possui. A competência e o sucesso são
medidos pela quantidade de diplomas e não pelo real trabalho que um indivíduo
executa em prol da sua comunidade. O número de títulos vale mais do que a
experiência. Assim, educação passou a ser também, mais um produto lucrativo,
deixando de crescimento pessoal e profissional. As escolas, cada vez mais
preocupadas com o número de alunos, se esquecem da qualidade de ensino
repassada aos mesmos. Com a saúde aconteceu o mesmo. Ter um bom plano de saúde
passou a ser mais importante do que ter uma boa qualidade de vida capaz de lhe
proporcionar bem estar físico, mental e espiritual. Quantas experiências
gratificantes deixam de ser vivenciadas para sobrar, no final do mês, dinheiro
para pagar o plano de saúde ou o seguro de vida?
Estamos vivendo num mundo de ilusões e o pior,
acreditando fielmente nelas. Acreditamos que seremos felizes e estaremos
seguros se tivermos tudo aquilo que o mercado prega como indispensável à nossa
vida. O nosso tempo é, quase totalmente, investido em trabalho árduo para pagar
estes bens que o mercado nos oferece como garantia de uma vida tranquila. Com
isto, sobra cada vez menos tempo para as pessoas que amamos e para nós mesmos. Um grande buraco se abre dentro de muitos. Para diminuir a profundidade deste vazio, comprar compulsivamente passa a ser uma ilusão que atua como um ansiolítico e como um antidepressivo que diminuiu o nosso mal estar diante do crescente sentimento de falta. A falta é inerente ao ser humano, no entanto, nem todas as pessoas conseguem lidar de forma saudável com a mesma; substituem o Ser pelo Ter.
O mercado dita o que ter e o que devemos ser. Devemos
ter um corpo perfeito, malhado, sem celulite, rugas, estrias, dentre outras
exigências saudavelmente inalcançáveis. Devemos usar certos produtos que nos darão
status e nos deixarão jovens mesmo depois dos 100 anos de vida. Envelhecer é
sinal de incompetência e não mais um ciclo natural da vida. O corpo é esticado,
aspirado, cortado, enfim, deformado para manter a imagem que enche os cofres de
um mercado sujo que não tem o mínimo comprometimento com a vida e com a
verdadeira saúde. Poucos são os que conseguem, hoje, tirar uma foto e aceitar a
própria imagem nela refletida. Usam de todos os recursos de photoshop para
criar uma imagem que possa valer alguma coisa na mente doentia de uma sociedade
que não consegue lidar mais com o natural, com o verdadeiro. Vendemos uma
imagem falsa para sermos aceitos, desejados e amados. Ha pessoas que só dão
conta de desejar e amar o padrão de beleza que esta sociedade consumista podre
construiu. Desconhecem o verdadeiro amor. Nenhuma
cirurgia plástica é capaz de construir uma mente saudável e um ser humano mais
consciente. O amor é livre, jamais
habitara o cárcere de quem mantem a alma aprisionada a um padrão tão mesquinho
e pequeno de ser.
Precisamos cada vez mais obter coisas; concomitantemente,
nos estressamos mais na medida em que precisamos dobrar a nossa carga de
trabalho para ganhar mais dinheiro e cumprirmos o nosso dever como bom
consumidor. Viver com menos — “menos coisas”— está se tornando cada vez mais
difícil, já que este empenho em obter e garantir o lado material da vida tem
nos obrigado, consequentemente, a viver com menos tranquilidade e menos saúde.
Por que não me permito ter menos coisas e me permito ter menos saúde? É
possível ter um pouco menos para conquistar um pouco mais de saúde e
equilíbrio?
Possuir tornou-se mais importante do que conquistar.
Assim como Fabiana, muitas pessoas travam jogos sujos para obter aquilo que
desejam sem avaliar o grau de prejuízo que estão proporcionando ao outro ou ao
meio ambiente. Não aprendemos a consumir de maneira sustentável. Consumimos alimentando muito mais a nossa ignorância do que aquilo que precisa realmente ser nutrido. A alma é violentada para nutrir um ego escravizado pelos interesses do mercado. A violência é perpetuada com a nossa recusa em se tornar consciente. Nos tornamos
impotentes frente a expansão e força de nossa alienação.
Impotentes, sentimo-nos fracos e cada vez mais necessitados destas
ilusórias seguranças que o mercado nos oferece. Um ciclo vicioso se instaura e
dificilmente conseguiremos sair dele se não pararmos para repensar, avaliar e
resignificar a própria vida.
Quem disse que a escravidão acabou? O número de
escravos aumentou, pois a clientela se diversificou. O grande senhor chamado
mercado dita as regras e as seguimos sem questionar temendo o “tronco” da
rejeição que a sociedade impõe aos dissidentes. Ser um dissidente não é fácil.
Talvez seja praticamente impossível libertar toda sociedade, no entanto,
alforriar-se já é um bom começo. Quantas
pessoas se prostituem para atender a lei que o mercado impõe. Não falo aqui da
prostituição do corpo, mas da prostituição da alma, de seu talento, de sua
competência. Vejo artistas, profissionais competentes vendendo lixo quando
poderiam vender ouro. Obras vergonhosas, sem qualidade e conteúdo são jogadas
no mercado porque existe um grande contingente de pessoas vazias prontas a
consumi-las. Atendimentos precários de saúde são oferecidos à população, por
existir uma clientela mais interessada em usufruir seu “plano de doença” do que
em ser bem atendida, orientada e tratada. Fico preocupada quando vejo um mundo
de pessoas doentes e carentes de referências saudáveis de vida metralhadas pela
perversidade daqueles que não possuem compromisso com a construção de um mundo
melhor.
Mesmo que você se sinta um escravo de toda conjuntura
econômica e social, não desanime. A
história abaixo não lhe dá a carta de alforria, mas oferece importantes
recursos que poderão ser usados a favor de sua liberdade.
UM LUGAR ONDE O MÍNIMO ERA O INDISPENSÁVEL
Recanto da
Harmonia era um vilarejo habitado por pessoas bem diferentes da maioria que
conhecemos ou, mais precisamente, de nós mesmos. As casas eram todas
diferentes. Cada uma delas tinha um estilo próprio, bem parecido com o dono que
a habitava. Por outro lado, todas elas eram parecidas num determinado aspecto –
a simplicidade. O mesmo acontecia com cada habitante deste vilarejo. Cada um
possuía um estilo próprio, uma personalidade diferenciada, mas se pareciam
muito no que diz respeito à maneira de encarar a vida. O contentamento era a
maior riqueza almejada por cada um deles. Ninguém desejava mais do que
precisava e todos eles possuíam a plena consciência daquilo que era realmente
indispensável à vida de cada um e da comunidade.
Intrigados
com a harmonia daquele lugar, estudiosos de vários lugares do mundo passavam
por ali, estudando e entrevistando as pessoas aparentemente pacatas daquele
povoado numa tentativa de montar uma teoria que pudesse explicar a razão para
tanta tranquilidade. Numa destas entrevistas, um renomado cientista social
perguntou:
—Qual a
tática usada para construir uma sociedade tão harmônica?
—Precisamos
de muito pouco. Respondeu Pacífico, o habitante mais velho daquele lugar que
inspirava a paz que seu nome sugeria.
—O que há de
tão significante no pouco? Ter pouco na nossa sociedade é um sinal de pobreza
ou miséria. Indagou o sociólogo.
—Para nós é
um sinal de abundância, pois temos pouco por opção e não por imposição.
Precisar é um sinal de falta. Quanto mais precisarmos, mais falta sentiremos.
Se precisamos de pouco é porque já temos o suficiente. Ninguém repete um prato
de comida se já estiver plenamente saciado; a menos que esteja doente, dominado
pela gula.
—No meu mundo
tem muita gente gulosa. Apesar da gula ser um pecado, poucos conseguem resistir
a ela. Aliás, sem o pecado da gula ficaria difícil manipular o nosso povo. Todo
pecador se sente culpado. E, é fácil manipular culpados. Aqui não existem
gulosos?
—Não. Como já
lhe disse, temos o suficiente. Reafirmou Pacífico.
—Quem normatizou
para vocês o conceito de suficiente?
—A nossa
consciência. É ela quem comanda a nossa vida. No mundo de vocês há algo além da
consciência funcionando como um referencial de vida?
—Há a
consciência de mercado ditada pela mídia, 24 horas por dia. Esta consciência
nos diz que produto devemos adquirir para sermos valorizados ou para nos
tornarmos felizes e saudáveis. Esclareceu o sociólogo em tom de lamento.
—Não
conhecemos esta consciência por aqui.
—Ainda bem!
—Por que?
Você não parece gostar desta consciência. Há algum problema com ela? Perguntou
Pacífico querendo conhecer um pouco mais o insano mundo daquele curioso
sociólogo.
—Ela nos
engana. Vende ilusões. Pagamos caro e jamais usufruímos o produto que ela nos
oferta.
—Como assim?
Não estou conseguindo ordenar as minhas ideias para entender o que você está
falando.
—Acho que
será muito difícil para você entender uma ordem alicerçada por uma grande
desordem. O mercado desordena a nossa vida. Esta desordem gera pessoas
confusas, portanto, mais passíveis de serem manipuladas. Nos faz acreditar que seremos mais felizes,
desejados e realizados se adquirirmos certos produtos, aliás, todos. No
entanto, observamos uma onda de grande insatisfação crescendo dentro de todos
nós a cada dia. Nada nos satisfaz. Quem tem o capital compra tudo que o
dinheiro pode comprar, mas não consegue comprar este contentamento que vejo nos
seus olhos.
—E, quem não
tem o capital? Perguntou Pacífico mesclando confusão com curiosidade.
—Este aí,
coitado... Vive sonhando com o dia que conquistará os recursos financeiros para
comprar estas ilusões.
—Mas, vocês
não se dão conta de que o mercado jamais dará conta de fazer o que cabe a cada
um conceder a si próprio? Mesmo enganados, anos a fio, vocês não se deram conta
ainda da realidade? Inquiriu Pacífico num tom de censura.
—Quando a
realidade bate na nossa porta o mercado lança um novo produto. Completou,
sarcasticamente, o sociólogo.
—E daí?
—E daí que, o
produto anterior deixa de ter valor e aquele que foi lançado passa a ser o
grande Deus que nos presenteará com o paraíso. Assim aquilo que temos perde o
valor fazendo com que passemos a desejar, ardentemente, aquilo que nos falta.
—Então, vocês
valem por aquilo que possuem e não por aquilo que são.
—Justamente! Confirmou
o sociólogo.
—No seu
mundo, existe mais alguém que já conseguiu perceber tudo isto que você já
percebeu e relata com tanta clareza?
—Existem
milhares de pessoas que já perceberam isto; algumas, até mais do que eu.
—E, por que
vocês não fazem nada? Perguntou Pacífico indignado.
—Porque somos
viciados. Sabemos o mal que esta droga chamada consumismo nos faz, mas não
damos conta de lutar contra ela. O mercado é como um traficante que nos aponta
uma arma todas as vezes que o desafiamos. Acho que temos medo de morrer se não
usarmos esta droga, ou no mínimo, sofrermos a síndrome de abstinência. O
mercado é sujo; mata a nossa auto-estima se desafiarmos as suas leis. Assim,
adotamos a identidade que eles julgam mais apropriada para nos sentirmos vivos
e valorizados. Usamos a roupa da moda, compramos o carro do ano, moldamos nosso
corpo conforme as regras do mercado e por aí vai... Todas as vezes que nos
sentimos ansiosos, tristes ou frustrados, tomamos uma dose de nossa droga ,
facilmente comprada em qualquer esquina, exposta nas mais lindas vitrines, e
por alguns instantes, tudo parece voltar ao normal.
—Mas, existe
uma forma de mudar tudo isto. Desafiou Pacífico, querendo oferecer uma
alternativa que pudesse minimizar as insatisfações daquele sociólogo que
parecia impotente, mas, ao mesmo tempo, ansioso para mudar a realidade de seu
mundo.
—Me dê a
receita que eu experimentarei hoje mesmo. Ironizou desacreditado.
—Pelo tom de
sua voz, percebo que não acredita em mudanças. Sem fé, você não experimentará a
receita mais gostosa desta vida.
—Qual? Perguntou
o sociólogo enrugando a testa
—Você mesmo.
Se não acreditar que pode experimentar a si próprio, vai ser sempre um produto
deste mercado sujo que você diz desprezar.
—Mas, eu
desprezo mesmo! Afirmou enfaticamente o sociólogo.
—Será? Você
daria conta de viver como nós vivemos? Desafiou Pacífico.
—Certamente
eu teria que me tornar uma outra pessoa. Conjecturou o cientista social.
—Teria que
tornar a pessoa que és de fato. A que tens sido é um mero produto.
—Como é que
eu posso me tornar eu mesmo?
—Alguns
passos importantes terão que ser dados. Cada um no seu tempo. Não adianta
querermos dar um passo maior do que as nossas pernas. O máximo que conseguimos
com tal atitude é tropeçar e nos ferir.
—Qual o
primeiro passo? Perguntou ansioso como se estivesse buscando uma salvação.
—Saber qual a
parte de você pertence à sua alma e qual pertence ao mercado.
—Mas, como se
faz isto?
—Sendo
sincero e honesto consigo mesmo. Respondeu com firmeza o ancião daquela
comunidade.
—Como assim?
—Tem gente
que prefere uma vida de faz de conta. Esclareceu Pacífico
—Prefere
acreditar que é o máximo, por exemplo? Perguntou o sociólogo buscando um
esclarecimento maior.
—Por que
vocês precisam ser o máximo? Não dá para simplesmente ser?
—“SER”, o que
isso? A palavra Ser é muito vaga.
—É justamente
neste ponto que entra o segundo passo — Aprender a diferenciar o que é vago do
que é simples. Tornamos a simplicidade vaga todas as vezes que rejeitamos
vivenciá-la. Esclareceu Pacífico com um profundo desejo de despertar uma
reflexão em seu entrevistador.
—Você está
querendo dizer que rejeito viver o meu SER?
—Mais do que
isto. Quero lhe falar sobre o terceiro passo. Quem vive profundamente o seu SER
deixa de percebê-lo como vago. Pelo contrário, ele passa a ser profundo. Tão
profundo, que nem sempre nos aventuramos a dar este mergulho.
—Me sinto
sufocado só de pensar na profundidade deste mergulho. Suspirou .
—Quando
tiveres coragem para mergulhar profundamente em si mesmo, os outros passos
fluirão automaticamente, um cadenciado pelo outro demarcando uma caminhada
gostosa e tranqüila.
—Provavelmente,
neste momento, pouco importará a marca ou a quantidade de calçados que
coleciono em meu guarda-roupa. Completou o sociólogo, humorado, externando um
sorriso carinhoso com nuances de agradecimento.
—Justamente!
A confecção de sua própria marca é que fará a diferença. E, se sua marca for de
qualidade, não será necessário colecionar outras.
—Acho que,
neste momento, a melhor propaganda seria: “Se é bom, não precisa ser
substituído. Dá para ser único!”. Ou ... “Não compre, fique com o seu; com
certeza é o melhor! Pronunciou ativamente como se estivesse num comercial de
TV”.
Olhando no fundo de seus olhos, Pacífico
elogiou com ternura:
—Bom
Comercial! Bem pessoal, eu diria! Entendeu agora porque não precisamos de muita
coisa?
Depois desta
entrevista, o sociólogo voltou ao seu mundo. Sensibilizado, conseguiu mudar
muita coisa em sua vida, mas não conseguiu mudar o mundo em que vivia. O máximo
que conseguiu foi escrever um livro que não alterou o perverso sistema
capitalista, mas que sistematizou uma série de reflexões e mudanças na vida de
muita gente.
ESPAÇO DE REFLEXÃO
Responda e
depois mude alguma coisa, caso seja possível mergulhar em si mesmo:
1. Quantos pares
de sapatos você tem? Todos eles são imprescindíveis para a sua vida?
2. Você precisa
realmente de todas as peças de roupa que estão no seu guarda-roupa? Se não,
porque não as repassou para quem, de fato, necessita delas?
3. Voce precisa
destas coisas todas que anda guardando a anos
em gavetas e armários de sua casa?
4. Sinta o
cheiro e aspire a energia destas coisa que estão guardadas a anos. Cuidado! Se
voce não adoecer, perceberá, no mínimo, que o odor delas é insuportável.
5. Este produto
que você tanto deseja comprar, vai mudar o que na sua vida?É possível viver bem
sem ele?
6. Dentre tudo
que você possui, o que é realmente significativo e necessário?
7. Comprar é o
seu ansiolítico preferido? Você só se sente melhor depois de ter comprado
alguma coisa?
8. Você se sente
pior do que alguém por ter menos coisas do que ele?
9. Você tem
sempre a sensação de que lhe falta alguma coisa?
10. Ter vai fazer
de você um Ser melhor?
11. Você sabe
diferenciar seus desejos de suas necessidades?
12. Você consegue
colocar limites aos seus desejos?
DESAFIO
Faça
uma limpeza em seus armários. Desapegue-se de tudo que voce não usa. Doe a quem,
realmente, precisa daquilo que voce não
precisa mais. Depois deste exercício, voce sentirá um grande espaço se abrindo
dentro de ti. Este espaço novo, ha de acolher aquilo que voce realmente
precisa.
“Às
vezes, estamos tão entupidos com futilidades que não sobra mais espaços para
nós mesmos dentro de nossa própria vida”.
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