A DIALÉTICA DO
DESEJO
DESEJEI O DESEJO
DESEJEI A FALTA DELE.
NA FARTURA DE TANTOS DESEJOS
ME FALTOU O DESEJO CERTO,
CERTAMENTE , A AUSÊNCIA DELE.
MAS A AUSÊNCIA SE FAZ FALTA
E DA FALTA SEMPRE BROTA
O INCERTO DESEJO
QUE TUDO DESEJA,
INCITANDO-ME DESEJAR TUDO
QUE NÃO SE DEVE ANSIAR.
A ÂNSIA QUE FEDE DESEJO
EXALA ESTE AROMA QUE NÃO SAI DE MIM.
QUISERA EU, TER CHEIRO DE NADA,
MAS,
O NADA EXALA UM VAZIO
QUE NÃO DOU CONTA DE PREENCHER.
EMPANZINADA COM TUDO
QUE TAMBÉM NÃO ME PREENCHE
CONTINUO DESEJANDO
O CRUEL E DIALÉTICO DESEJO
DE NADA DESEJAR.
O NÓ DO DESEJO
Desidéria sempre foi uma mulher
repleta de desejos. Desejava, sobretudo, ser “a desejada”. Nunca foi nutrida
satisfatoriamente com afeto pelas figuras parentais. Não se sentiu objeto de
desejo em suas primeiras relações objetais. Era uma criatura muito carente. Nasceu no
distrito de uma pequena cidade do interior, mas sempre desejou os grandes
centros. Amaldiçoava as suas origens, a
sua terra desconhecida e o povo simples daquele lugar. Sonhava com a pompa, com o luxo e com o poder de sedução das
atrizes de cinema de Hollywood. Escondia
sua mania de grandeza por detrás de uma fachada de simplicidade forjada e
dramatizada para ser aceita e querida. Mas, a sua máscara sempre caia no
convívio diário com gente que não preenchesse a sua sede de musa. Sentia-se a
vítima dos encantamentos e desencantamentos que provocava nos outros. O que
Desidéria mais temia era , na verdade, o que ela mais desejava. Temia a inveja
das outras pessoas. Ser a invejada pressupunha não só ter o que o outro não
tinha, mas, sobretudo, gerar neste outro o incômodo desejo de possuir o que era
exclusividade sua. Gostava deste jogo de poder – poder ter o poder que ao outro
faltava. Mas, por outro lado, este jogo lhe rendia a negatividade deste outro
que, invejando-a, tentava sugar a sua
luz. Mesmo que artificial, esta luz que Desidéria exibia só iluminava o mundo
de pessoas que se encantavam com a futilidade.
Desidéria nunca desejou, de fato, ser
ela mesma. Na verdade, não sabia, nem mesmo, quem ela era de fato. Acostumada a
representar, confundia-se com seus personagens preferidos. Era vítima dos encantamentos
de pessoas iguais a ela. Chorava a dor de ser absorvida por tantas energias
negativas, mas não abria mão deste cenário ao qual escolheu representar seu
drama pessoal. Algumas vezes, tinha a lucidez de sentir a luz de sua alma. No entanto,
esta luz não iluminava cenários artificiais. A luz de sua alma iluminava apenas
o que ela rejeitava viver: uma vida autêntica. Ser verdadeira era o grande
desafio que Desidéria sempre rejeitou. Escrava de um Ego que a aprisionava nas
grades de insaciáveis desejos de ser o centro das atenções, pagava a pena diária
da infelicidade e da paralisia de seu desenvolvimento pessoal. Por traz da
imagem de uma mulher sedutora e poderosa,
vivia uma criança assustada e mimada que ditava as regras para um ser que não
conseguia ter autoridade sobre si mesma. Sentindo sempre a falta de alguma
coisa que não sabia o que, Desidéria contraiu uma depressão que se tornou a sua
maior companheira.
Temos
muitos desejos. É bom ou ruim tê-los? É bom tê-los na medida certa, na linha
que define o equilíbrio que nos faz seguir em frente, buscar e construir
objetivos saudáveis de vida. É ruim, quando nos tornamos escravos dos mesmos e
perdemos a nossa direção. Há quem deseje direcionar o outro, além de si mesmo.
Deixar o outro numa posição que lhe seja cômoda para satisfazer os desejos,
mesmo que insanos, de um ego devorador. Há quem deseje não só a própria vida,
mas a vida alheia também. Aos insaciáveis, os desejos se tornam perversos e
doentios. Com desejos doentes a gente se
torna doente também.
Não
é necessário negar os nossos desejos. Precisamos administra-los. A negação de
desejos estimula, ainda mais, outro desejo mais forte - o desejo de não desejar.
Há
quem só deseje e não opere trabalhos necessários para a realização de seus
desejos. Isto é muito perigoso, pois gera inúmeras frustrações. Trabalhar para
realizar é uma lei muito importante que gera realização e, consequentemente,
satisfação. O indivíduo frustrado é aquele que não realiza. O indivíduo que não
realiza é aquele que não executa o trabalho certo. O indivíduo que não trabalha
é aquele que deseja ser servido; para isto, acaba por transformar o outro em seu
servo, ou no mínimo, deseja isto.
Alguns
grandes mestres trabalharam no sentido de anular o desejo e o ego. Em função
disto, muitos veem os desejos como uma manifestação imatura de nosso ser. A
imaturidade sempre vai existir frente à maturidade. É o nosso obstáculo, mas é
também a nossa desafiante condição atual. Há sempre a possibilidade de sermos
mais maduros do que somos no momento. Mesmo o maior mestre que por aqui tenha
passado, é imaturo frente a maturidade que ainda possa alcançar. Como seres
humanos, estamos ainda numa condição muito imatura de ser: o “ser desejante”; não adianta querermos negar esta nossa
condição. O melhor a fazer no momento é administra-la. Como salientei, anteriormente, nega-la pode
ser muito perigoso, podendo incitar desejos ainda mais perniciosos capazes de
se tornarem obsessões. Somos seres de falta. Não sabemos ainda lidar com ela.
Somos como uma criança que não aprendeu ainda a andar. Daí, não adianta exigir
desta criança a condição de mestre. Como fazer uma maratona de dezenas de
quilômetros se não conseguimos ainda dar os nossos primeiros passos, ou se
estamos ainda apoiados em algum suporte que nos mantem de pé ou tentando nos
equilibrar para levantar e não cair? Antes de nos tornarmos mestres na área do
desejo, precisamos passar primeiro pela condição de aprendiz; aprender,
sobretudo, a desejar de forma saudável e cada vez menos de uma forma doentia tal
qual somos estimulados a maior parte do tempo, principalmente por uma sociedade materialista e capitalista que se mantem forte graças à nossa fragilidade.
Quanto mais frágil, mas voraz seremos
para nos sustentar com algo que nos dê a ilusão de força e plenitude. O mundo
capitalista não precisa de pessoas fortes; precisa de pessoas vorazes. Assim,
estará sempre nos estimulando a pensar que temos muito pouco e que precisamos
de muito para sermos, de fato, reconhecidos e aceitos.
Somos
quase sempre muito egocêntricos. O egocentrismo é uma condição infantil que deveria
ser superada quando nos tornamos adultos. No entanto, crescemos só no tamanho e
na idade. Dentro de um corpo adulto existe, quase sempre, uma criança fazendo
birras descomunais. É preciso
entendermos que os nossos desejos não são ordens que precisam ser
necessariamente cumpridas, principalmente pelo outro que nem sempre compartilha
o mesmo desejo nosso.
Desidéria
era um ser carente e um ser carente demanda sempre muito mais do que se tem.
Nunca está satisfeito consigo mesmo e com nada que alcança. O desejo de uma
pessoa carente não tem limite. E, sem limite fica esta pessoa, sobretudo, para
desejar.
Como
seres de falta, precisamos representa-la para não sentirmos angustiados. Precisamos
aprender a lidar com as nossas perdas, saber o que fazer com elas para não
cairmos em depressão. O desejo saudável ajuda no sentido de favorecer a busca
de novas conquistas. O deprimido traz para dentro de seu ser a perda e a derrota,
materializando a falta através de uma doença que é a somatização daquilo que não
consegue suprir em si mesmo. O deprimido é como um ser sem suprimento. Podemos,
em algum momento, não ter todos os ingredientes para fazer uma boa feijoada,
mas precisamos ter suprimento para fazer, no mínimo, um feijão que mate a nossa
fome. Se não tiver feijão, transformar a
fome num jejum que nos torne, no mínimo, mais fortes espiritualmente. Transformar
as nossas derrotas numa experiência de crescimento é o mínimo para quem deseja
seguir em frente. Ruminar nossas desgraças só traz indigestão mental, emocional
e física.
A
pessoa madura consegue lidar com a lei da interdição: dizer sim ao que pode ser
sim e dizer não ao que não pode ser. Isto não significa ser resignado e desistir de mudar aquilo que você pode
mudar. Precisamos desistir de mudar apenas o que não depende da gente mesmo e aceitar esta nossa impotência frente algumas situações
na vida. É importante reconhecermos os nossos limites. Mas, a quem queira tudo e não aceite nunca um
não. O “não” só deve ser direcionado ao outro, jamais a si mesmo para criança
mimada que mora dentro de nós.
Lidar
também com o desejo do outro não é nada fácil. Para ser reconhecido pelo outro,
muitos deixam de reconhecer os seus mais profundos desejos. Para ser o bonzinho,
deixa de ser suficientemente bom para si mesmo. Para não contrariar o outro, se contraria. Para não frustrar o outro, acaba
quase sempre frustrado e não ensina a este outro aprender a lidar com suas
próprias frustrações. Faz deste outro o seu senhor e se torna o seu escravo.
Para não desaprovar, desaprova-se. O medo de perder o amor e o reconhecimento,
faz com que perca algo muito importante – a sua auto-estima e respeito por si
mesmo. Para ser aprovado, reprova o seu
mais nobre direito – ser único e diferente. É como se tentasse, a todo momento,
dizer para o outro: “Eu penso como ti, eu desejo o que você deseja, eu sou como
você”. Esta atitude além de perigosa, é um crime e um atentado contra si mesmo.
Lidar
com nossos desejos de forma madura será sempre o nosso maior desafio. Se você deseja
se libertar de algum desejo, precisa, primeiro, aceita-lo e aprender a conviver
com o mesmo, jamais nega-lo. Podemos criar equações menos complicadas para
resolver, diante da nossa incapacidade de solucionar equações mais complexas de
desejos que dão um nó em nossa mente. Com a mente focada numa equação mais
simples e passível de ser solucionada com nossas atuais habilidades, talvez
seja mais fácil abandonar uma outra que a gente esteja inapta a resolver. É mais fácil substituir um desejo por outro do
que destruí-lo. Desejo não se destrói, transforma-se. Talvez, a historinha
abaixo, consiga demonstrar a dialética dos desejos que tomam sempre conta de
nosso ser.
ERA UMA VEZ...
Era uma vez um desejo que desejava não desejar. Saiu pelo mundo pregando a
importância de matar ele mesmo e os
perigos de ser o que ele era - desejo. E cada vez que ele negava si mesmo, mais
ele se afirmava como tal. E, à medida que ele se afirmava através de sua
negação, mais ele crescia e mais forte ficava. E assim, ele foi crescendo e se
fortalecendo quando o que ele mais
desejava era sumir e se enfraquecer. Foi ficando tão grande que passou ocupar
espaços que não desejava ocupar, pois a gente se ocupa mais daquilo que a gente
se obriga desocupar, do que daquilo que a gente nunca pensou a respeito. Virou
um gigante! De tão grande, já não cabia mais em qualquer lugar, fazendo com que
lugares cada vez maiores precisassem ser conquistados para cabe-lo e serem,
consequentemente, ocupados por ele. E,
por mais que ele pensasse: “Não preciso deste lugar” - mais dependente dele ele
ficava, pois tudo aquilo que a gente mais tenta se convencer não precisar, mais
dependente a gente fica desta coisa. A verdade é que a gente só não precisa
daquilo que a gente nunca pensa a respeito. Com tanto pensamento desejoso, o
mundo foi ficando cada vez mais complicado e estratégias para conter a si
mesmo, cada vez mais necessárias. Mas, o necessário é o remédio que aumenta o
apetite do desejo. Assim, diante da necessidade ele foi ficando cada vez mais
voraz. Nesta voracidade, foi devorando muita coisa e se tornou obeso, pesado
demais. Ficou tão pesado que ficava difícil carregar a si próprio. E o peso foi
deixando o desejo cansado. Cansado, ele foi ficando sem disposição. Sem
disposição ele foi ficando sem vontade. E sem vontade ele foi ficando... Foi
ficando, simplesmente. E, neste estado de não ter que ser e não ter que ir para
lugar algum... Era uma vez um desejo.
ESPAÇO DE REFLEXÃO
Seus desejos
são saudáveis ou perversos?
Seus desejos
são seus ou você os impõe ao outro?
Seus desejos
são um tônico para estruturar objetivos saudáveis de vida e trabalhar na
consecução dos mesmos ou são ruminações obsessivas, famintas e sedentas de
poder?
DESAFIO
Sente-se
diante de um espelho e tenha uma séria conversa com o outro que você
internalizou como sendo o seu “senhor”,
fazendo com que você negue os seus próprios desejos para satisfazer os dele. Diga
a ele:
Eu não penso como ti.
Eu não desejo as mesmas coisas que você.
Eu sou diferente e único.
Eu
tenho meus próprios desejos.
Eu
posso ser bom sem ser bobo.
Eu
posso ser reconhecido respeitando os meus desejos.
Eu
respeito os seus desejos, mas não nego os meus.
O
fato de eu não satisfazer seus desejos, não significa que o meu amor por você
não exista. O amor não deixa de existir só porque os desejos não podem ser
satisfeitos.
Eu
me posiciono.
Eu
enfrento os seus desejos avessos aos meus.
Eu
me acalento quando meus desejos não podem ser realizados.
Eu
enfrento o seu desejo de aniquilar o meu, mesmo com medo.
Eu
respeito o seu desejo sem precisar me desrespeitar.