domingo, 10 de novembro de 2013

O NÓ DO APRISIONAMENTO



CÁRCERE DA LIBERDADE



MINHA LIBERDADE SOBREVIVE
VIVE ENCARCERADA EM SEUS PRINCÍPIOS
VOA COM SUAS ASAS
VÔO RASO
CONTROLADO POR SEU RADAR

APRENDI A PENSAR COM SUA CABEÇA
CONSTRUIR VALORES QUE NÃO VALORIZO
VALORES SEUS
APRENDI A QUESTIONAR
QUESTÕES SUAS

APRENDI A GOSTAR DO QUE GOSTA
GOSTO MEU...
DESGOSTO PRA TI
GOSTO  SEU TEM SABOR DE APROVAÇÃO
GOSTO MEU, REJEIÇÃO

APRENDI A ANDAR COM SUAS PERNAS
SEGUIR SEU CAMINHO
COM MINHAS PERNAS
TROPEÇO NOS MEUS DESCAMINHOS
  ME AQUIETO FRENTE SUAS RASTEIRAS

APRENDI A OLHAR COM SEUS OLHOS
FUREI OS MEUS
VIVO DE TUA LUZ OFUSCANTE
AFOGO EM MINHAS TREVAS DELIRANTES
TODA VEZ QUE OLHO PRA MIM

APRENDI A TOCAR COM SUAS MÃOS
MINHAS MÃOS...
SÓ PRA CUMPRIMENTAR AS SUAS
TOCO NA INSENSIBILIDADE
PRA NÃO SENTIR MEU VAZIO


APRENDI TANTA COISA
QUE NÃO DEVERIA APRENDER
APRENDI APRENDER
O QUE ME É SOLICITADO
IGNORAR-ME

ANALFABETO DE MIM
NÃO FAÇO MINHA LEITURA
NÃO CONSTRUO MEU MUNDO
VIVO DO ALTO ALUGUEL DE SEU MUNDO
PRA NÃO ME SENTIR SEM TETO

QUISERA EU
CORRER O RISCO DE SER EU
NÃO SER MAIS VOCÊ
SER ERRANTE
MAS, SER

QUISERA EU
VOAR, PENSAR, GOSTAR,
ANDAR, OLHAR  E APRENDER
COMIGO E COM O QUE SOU
COMIGO E COM O QUE POSSO VIR A SER

SOU EU
E POSSO VIR A SER MAIS DO QUE EU
NEM MAIS E NEM MENOS DO QUE VOCE
APENAS EU
LIVRE




O NÓ DO APRISIONAMENTO


Esta é a história de vários prisioneiros. Talvez, você seja um deles:
Da Dona Maria que só faz aquilo que o marido quer. Que de tanto fazer os desejos do marido, perdeu os seus próprios. Hoje, sabe tudo sobre o marido; sabe tudo que  ele gosta e quer, só não sabe mais de si mesma.
Da Alessandra que anda mais ligada no facebook do que na vida. Usa a internet para controlar cada passo que o namorado dá. Controlando a vida do namorado, perdeu o controle sobre a própria vida.
Do José que vive trabalhando ao invés de trabalhar para viver bem.
Da Letícia que, mesmo tendo 6 anos de idade, está sendo preparada para o mercado de trabalho. Perdeu a sua infância antes mesmo de ter a garantia de que vai viver a idade adulta.
Do Gustavo que se droga para sentir livre, mas se tornou dependente da sua droga libertadora.
Da Fabiana que quer ter muito dinheiro para ser respeitada por todos, embora não tenha ainda aprendido a respeitar a si mesma. Prisioneira do cifrão, olha mais para seu extrato bancário do que para a própria vida e para o mundo ao seu redor.
Do Tiago que deseja um corpo sarado a qualquer custo, mesmo que para isto adoeça a sua alma. Deseja uma imagem bem distante daquilo que é de verdade e bem semelhante à imagem dos comerciais que vendem os produtos que compra.
Da Viviane que estuda para competir e não para aprender o que gosta.
Do Marcelo que não larga o emprego que detesta, mas que ele diz lhe dar segurança. Largou de si mesmo para segurar naquilo que não gosta.
Da Mariane que compra compulsivamente para se libertar de suas carências e de  seu vazio interior.
Do Joel que projetou para si uma vida extremamente estressante para ter tranquilidade daqui a 10 anos. Já quase doente, acredita que vai conquistar a saúde perfeita no futuro como se saúde fosse uma questão de mágica e não de qualidade de vida.
Da Ester que se apegou a um Deus egocêntrico e controlador para libertar a sua alma.
Da Júlia que temia não ser amada. Para não correr o risco de viver sem o amor de seu sonho, casou-se com um homem que não amava. Agradece muito não ser mais uma mulher solteira,  embora deteste a vida de casada.
Do Sérgio que liga a TV e vê todos os dias a mesma programação. Reclama que só tem coisa que não presta na TV, mas programou-se para apertar sempre a mesma tecla e o mesmo canal.
Do Noel e da Suzana que vão sempre para os mesmos lugares, fazem sempre as mesmas coisas. Vivem emburrados dizendo que a vida é um tédio, mas quando são convidados a fazer algo diferente, arranjam sempre uma desculpa para não viverem esta diferença.
Do Nicolas que não perdoa o Fred. Prefere ser prisioneiro de sua raiva do que libertar-se dela.
Da Joaquina que só veste roupa de marca para deixar a sua marca, mas a marca que fica mesmo é da grife que usa.
Do Murilo que ganha um salário que não paga o que produz.
Da Martinha que é obrigada a votar mesmo quando inexiste um candidato decente.
Da Flavinha que fala, faz e gosta daquilo que a turma aprova para não ser desaprovada por eles.
Do Pedro que toma remédio para não ficar doente.
Da Morgana que transa por obrigação e não por prazer.
Do Sérvio que tem o sexo como um vício e uma obsessão.
Da Soninha que obedece por medo e não por respeito.
Do Juca que apanha da polícia toda vez que se manifesta.
Do Marcinho que precisa fazer prova para provar que sabe. Seu saber é medido por uma nota e não pela sua produção e atuação frente a sua escola e frente a vida.
Da professora Celina que precisa fazer greve para a educação que ela tanto preza ser respeitada, bem como seus direitos como cidadã responsável pela construção da consciência de cidadãos desrespeitados assim como ela.
Da Gabriela, que iludida pelo discurso de uma política podre, suou para ter um diploma que não lhe serve para nada.
Do Valério que morreu na fila do SUS esperando ser atendido.
Da Carolina que ainda não morreu, mas está morrendo de medo de ter o mesmo destino do Valério.
Do Lucas que não pode ser artista por medo de não sobreviver nesta selva brasileira de hipocrisia – uma sociedade que diz amar uma arte que é desprezada em cada esquina. Assim, resolveu ser médico mesmo não tendo vocação para isto, pois terá a certeza que será aplaudido por todos mesmo matando muita gente nos corredores de alguns abates humanos chamados de hospitais.  
Do Jeremias que não sai mais de casa por medo de ser assaltado, mas é assaltado todos os dias pelos impostos cobrados pelos governantes que lhe prometeram proteger dos assaltantes.  
Da Sanita que vive com tudo trancado. Sai de casa, mas trama antes uma estratégia para enganar o assaltante.
Do Paulo que resolveu ser político para acabar com a corrupção. Mas, chegando lá, descobriu que é mais fácil ser transformado num corrupto do que executar a sua proposta inicial.
Do Casemiro que vive encafurnado num asilo por não ter mais como gerir a própria vida como antes fazia, vida passada nem tão diferente da atual, quando vivia também encafurnado, porém no trabalho,  contribuindo para um governo que teoricamente lhe daria a garantia de uma velhice saudável e feliz.
Da Luna, que embora bebê, vive encafurnada numa creche, pois os pais precisam se encafurnar num trabalho que lhe roubam todo tempo que teriam para a mesma. 
Da Valeriana que mesmo sabendo que “algum dia” é um dia que não existe, passa o dia todo presa numa escola aprendendo coisas que não gosta e as coisas que gosta vão ficando para “algum dia”...
Do Juca que se vê obrigado a pagar altos impostos para ter o que, na verdade, sabe que nunca vai ter.
Do Gustavo que queria ser bailarino, mas temendo ser rotulado de “bicha” resolveu ser professor de Educação Física.
Do Luiz que segue a carreira escolhida pelos pais.
Da Virgínia que, aprisionada em seus preconceitos, não consegue amar e ser amada por aquele que faria, de fato, a diferença em sua vida.
Da Francesca que não pode assumir o seu amor proibido.
Do Pedro que vive enclausurado em um corpo doente.
Da Luiza que se tornou oprimida a partir de sua luta para libertar os oprimidos.
Da Terezinha que morre de inveja da vida fútil da Leandra.
Do Fábio que pensa ser livre, mas vive preso a este pensamento.
E por aí vai... Tanta gente prisioneira de ideias, valores, pensamentos, sentimentos, políticas, regras, sistemas e de um estilo de vida nem um pouco libertador.

 Acho que nem é preciso falar muita coisa, frente os exemplos acima. Lutamos pela liberdade, mas nos enveredamos nas armadilhas acima. Como diz Rubem Alves em seu livro: O Passarinho Engaiolado- “Toda armadilha tem uma coisa apetitosa dentro. Basta esta coisa apetitosa ser bicada para que a porta se feche para sempre”.
Depois que entramos dentro das nossas gaiolas, nem sempre teremos mais coragem de sair. Lembro-me de um passarinho que tive no passado. Vivia feliz dentro de sua gaiolinha, cantando alegremente. Certo dia, repentinamente, parou de cantar e foi ficando muito triste. Talvez, tenha se dado conta de sua real condição. Talvez, tenha começado a enxergar um mundo além de sua gaiola. Tornar-se consciente, dói.  Coloquei sua gaiola na varanda de minha casa, abri a portinha da mesma e dei a ele a liberdade para voar e partir. O verdadeiro amor não aprisiona nada e ninguém. Eu amava o meu passarinho. Preferia ele livre e feliz à escravo de meus caprichos, cantando para mim. Meu passarinho passou dois dias sem coragem de deixar a sua gaiola. Inicialmente, achei que iria voar rumo à  liberdade logo que visse a porta aberta, mas ele teve medo como todos nós diante da mesma. É mais fácil passarmos a vida reclamando a nossa condição de aprisionamento do que assumir a responsabilidade pela nossa própria vida. Ter alguém responsável pelas nossas mazelas nos traz uma sensação de tranquilidade – “Pelo menos não sou eu quem estou fazendo este mal todo comigo”.
Meu passarinho se libertou. Muita gente me disse: “Ele vai morrer. Não foi criado para ser livre. Foi condicionado a viver dentro de uma gaiola e a depender de seus cuidados”. Concordo. Como todos nós, o meu passarinho foi condicionado a viver aprisionado, se contentar com um mundo pequeno e acreditar que a grandeza do mundo lá fora é muito perigosa. Acomodou-se, contentando-se em receber comida na hora certa e   não ter que fazer muito esforço  para conquistar o que deseja e precisa. Mas entre morrer dentro e fora da gaiola, eu preferiria morrer fora e experimentar esta liberdade tão assustadora.
Na minha adolescência, hospedada na casa de um primo que também tinha um passarinho bem parecido com o meu, cheguei em casa feliz e deparei-me com o passarinho duro e morto no chão de seu pequeno mundo, uma  gaiolinha bem apertadinha e bem parecida com a gaiola do passarinho que libertei alguns anos à frente deste triste episódio. Levei um grande susto e fiquei extremamente chocada com aquela situação. Saí correndo sem coragem de olhar para aquela cena tão trágica aos olhos de uma adolescente sedenta de liberdade. Quando vi, no futuro, meu passarinho triste e correndo o risco de morrer como o passarinho do meu primo, não pensei duas vezes antes de liberta-lo. Fico triste e chocada, assim como nesta cena que vivi na minha adolescência, quando vejo pessoas morrendo sem nunca experimentarem a tão temida e desejada liberdade. Por isso, optei por permitir ao meu passarinho decidir: “viver ou morrer fora ou dentro de sua gaiola”. Ele fez a opção dele. Em algum momento teve a coragem de fazer o seu voo mais alto e mais longínquo. Não tive a alegria de presenciar este momento; um momento só dele. Posso imaginar a emoção dele frente esta experiência de vida. Muitos diriam que bichos não tem emoção, que não possuem um cérebro sofisticado como o nosso para isto. Eu que tenho bichos, que convivo intimamente com eles, infelizmente, tenho que admitir que eles possuem um cérebro mais sofisticado do que quem pensa assim.  Somos prisioneiros destas ideias formatadas para aliviar o nosso sentimento de culpa frente a escravidão que impomos aos nossos animais.
Ser livre não é simples como todo mundo gostaria que fosse. Talvez seja simples para a nossa alma, mas estamos engaiolados num ego que teme a liberdade mais do que tudo. Nosso ego quer reconhecimento, segurança e poder. Nossa alma não precisa de nada disto. A grande maioria de todos nós, já nasceu aprisionado, dentro de nossas gaiolinhas. Algumas são de ouro, outras de prata, madeira e há também gaiolas enferrujadas e feias. Independente da aparência delas,  todas são gaiolas. Medimos o nosso valor pela qualidade de nossa gaiola. Quanta ilusão! As filosofias milenares indianas dizem: “O homem vive de ilusões”. O primeiro cárcere que precisamos destruir são as nossas ilusões. Existem muitos cárceres, todos eles construídos com o propósito específico de cercear a nossa visão do mundo. Um dos maiores cárceres reconhecidos e legitimados como espaço do conhecimento é a dita ciência. Ela dita o que vale e o que não vale dentro de um contexto sócio-político-econômico. Aprisiona ideias não reconhecidas por ela e legitima verdades que não são tão verdadeiras assim; verdades que beneficiam um grupo e excluem outros. Quantas verdades legitimadas pela nossa ciência se transformou em grandes mentiras com o passar dos anos. Quantas mentiras se transformaram em verdades. Sou fã da ciência, mas não de uma ciência cega, preconceituosa e politicamente comprometida com interesses de grupos dominantes.
Os nossos preconceitos, o nosso fanatismo por uma ideia, os nossos sentimentos negativos nos aprisionam mais do que qualquer gaiola. A própria educação não é nem um pouco libertadora como ansiava Paulo Freire. Temos uma educação muito mais voltada para produzir soldadinhos em massa para enfrentar a guerra do vestibular e dar continência a conhecimentos que nos entopem para não sobrar lugar para o que realmente importa. O que realmente importa é aquilo que pode nos libertar. No entanto, uma consciência livre depõe governantes e toda uma estrutura opressora.
Meu pai é quem conta uma história interessante do final de sua infância e começo de sua adolescência. Estava sendo preparado para ser combatente na segunda guerra mundial – “Eles nos fizeram uma lavagem cerebral tão elaborada que acreditávamos que seria o máximo lutar  pelo nosso país. Lutaríamos e voltaríamos ilesos e vitoriosos. A morte que nos espreitava não era abordada em nosso treinamento. Assistíamos cenas dos combatentes felizes e das batalhas vencidas. As derrotas, o derramamento de sangue, a angústia dos familiares que perdiam seus entes queridos, a loucura e a neurose de guerra que habitava a mente de quem conseguia retornar nunca foi mostrada naqueles vídeos. A riqueza de nossa vida de nada valia. Valia os podres interesses de nossa nação e das outras aliadas a ela. Despreparados para qualquer tipo de batalha, seríamos colocamos na linha de frente com o único propósito de levar bala e dar suporte para outros grupos de soldados um pouco mais preparados do que nós.  Uma vida servida para ser bucha de canhão.” Como tiveram coragem de preparar crianças para enfrentar uma guerra, engaiolando a consciência destas numa farda bonita? Não temos que morrer pela nossa pátria ou nação; temos que viver por ela, mas não somente por ela. Temos que viver o nosso propósito existencial. Este propósito transcende as divisas territoriais. Meu pai tinha 13 a 14 anos na época desta guerra vergonhosa; uma criança nos primórdios de seu adolescer.  Se temos que ter algum sentimento para com países que fomentam uma guerra, este sentimento não deve ser nunca de patriotismo. O único sentimento plausível neste contexto é a vergonha, revolta e indignação. Pessoas inocentes não merecem morrer porque os poderosos não conseguem se entender. Nenhum poderoso é colocado na linha de frente de um canhão. São colocados na linha de frente de interesses de uma minoria que se esconde atrás de um poder que massacra a maioria.  Ainda bem que a guerra acabou sem que meu pai precisasse se tornar a bucha de canhão. Hoje, com 83 anos de idade, contribuiu, contribui e ainda há de contribuir muito para este país; sempre contribuiu, sobretudo, para a formação de minha consciência. Quantas vidas de homens que se tornaram grandes pilares na construção deste país teriam sido perdidas se esta guerra não tivesse terminado ?
Mesmo que sejamos prisioneiros destas estruturas de poder, podemos começar a investir na nossa liberdade permitindo aos nossos olhos enxergar. Na mesma historinha do Passarinho Engaiolado de Rubem Alves, há uma menção à nossa cegueira: “Muitos malvados furam os olhos dos pássaros engaiolados; dizem que pássaro de olho furado canta mais bonito”. Portanto, pense: Para quem você deseja cantar? Parar de cantar para quem lhe fura o olho já é um grande passo. Identificar os furadores de olho é um passo ainda mais importante para você se proteger e atacar caso seja necessário.
Nossas asinhas são cortadas assim que espreitamos um voo que possa nos levar além da vidinha a qual estamos acostumados. Existem dois tipos de vida: A vida infinita e a nossa vidinha diária. A vida infinita é aquela que transcende a rotina do nosso dia a dia. Não temos controle algum sobre ela. Ela impõe as regras e cabe a nós aceita-las. Ela está conectada com a nossa alma e se organiza presenteando-nos com desafios que possam nos fazer crescer e amadurecer.  A nossa vidinha diária está conectada com o nosso ego. É totalmente controlada e organizada por ele. Rígida, não aceita mudanças, a não ser que estas sejam totalmente previsíveis.  Trememos de medo todas as vezes que a vida infinita invade os espaços de nosso ser. É mais fácil ser controlado do que perder o controle de um ego comprometido com estruturas de poder que anseiam a todo momento nos fragilizar. Temos um grande poder, embora, na maioria das vezes, não o reconheçamos. Aprisionamos nosso poder na jaula de nossa consciência alienada. Tememos muito mais o nosso verdadeiro poder do que a falta dele. É mais fácil ser a vítima do que o herói que nos habita. Aprisionamos o nosso verdadeiro ser para ser objeto de desejo de estruturas alienantes. O herói faz; a vítima clama. Somos levados a acreditar muito mais na nossa fragilidade do que na nossa força. Clamando o que nos falta, deixamos de fazer o que precisa ser feito: lapidar o cristal que existe dentro de nosso ser.  Assim, como na historinha abaixo, liberte o seu rei para se tornar soberano sobre si mesmo.

O REI DA JAULA

Era uma vez um leão chamado Cristal que morava dentro de uma jaula, no jardim zoológico de uma grande cidade, desde o seu nascimento. Junto com ele, moravam mais dois leões e duas leoas. Cristal vivia feliz neste mundo encarcerado. Nunca conhecera outro mundo a não ser o seu. Sem critérios de comparação, achava que as possibilidades da vida se limitavam às possibilidades ofertadas pelo seu limitado mundinho. Se algum incômodo começasse a surgir, querendo alerta-lo para a imensidão do mundo lá fora, tratava de criar um desafio que pudesse desviar a sua atenção para as pequenas recompensas que a sua vidinha lhe ofertava. Por não ter nunca recebido uma grande recompensa, ou desejado isto, carecia de critérios de comparação para avaliar se as recompensas que a sua vidinha lhe oferecia eram realmente compensadoras.   Dentro de sua jaula, ele era o leão que mandava. Era o mais forte , o rei da jaula;  e isto lhe bastava, assim como muita gente que se sente poderosa.
Muitas vezes a vida insiste em mudanças que nem sempre desejamos. E foi exatamente isto que aconteceu com Cristal. Certo dia, a defensoria dos animais, resolveu libertar os leões do zoológico onde Cristal vivera desde o seu nascimento, levando-os de volta ao seu habitat natural. Não seriam mais prisioneiros e nem mesmo objetos de admiração das pessoas; poderiam, finalmente, gozar a liberdade. No entanto, não foi exatamente isto que aconteceu, pelo menos, com Cristal. Libertos de seu cárcere, os outros leões se perderam no gigantesco mundo que lhes foi presenteado. Dizem, que vez ou outra, apareciam exibindo muito vigor e força, além de uma farta família de leõezinhos.  Cristal, ao contrário, perdeu toda a sua exuberância. Elegeu uma toca como morada e raramente saía da mesma em busca de alimento; se contentava com os restos dos outros felinos. Diante de uma carniça já em estado de putrefação, foi abordado por uma hiena que deu uma estridente risada:
͟   Onde foi parar sua majestade?
͟  Minha majestade foi roubada quando tomaram o meu trono  e o mundo em que eu vivia antes de estar aqui. Lá, eu era o rei. Respondeu Cristal  com ar de humilhação.
A hiena, surpresa, indagou:
͟  Quer dizer que estou diante de um verdadeiro rei ? Mesmo que seja um ex rei, você me surpreendeu. Não consigo ver nenhum sinal de majestade em você. Conte-me como era este mundo que você vivia e dominava. Eu bem que gosto de uma boa história. Solicitou a hiena dando com outra longa risada, escarniando Cristal. 
Cristal, meio sem jeito, tentou responder a pergunta maldosa daquele animal que o olhava como se ele fosse uma carniça:
͟  Apesar de pequeno, eu dominava meu mundo e os outros leões que viviam comigo. Tinha duas esposas e dois servos. Mandava em todos e todas as minhas vontades eram satisfeitas com um simples olhar meu.
͟   Por que não se sente rei aqui também? Contrapôs a hiena.
͟  Porque os meus prisioneiros se libertaram, roubaram minhas esposas e fugiram por este mundo sem fim. Muitos animais que encontro por aqui são bem mais fortes e mais safos do que eu. Careço de certas habilidades por não tê-las exercitado ao longo de minha vida.  Nunca precisei caçar o meu alimento, me acostumei com uma vida fácil e repleta de regalias. Respondeu Cristal admitindo sua fragilidade.
͟   Poxa, que história surpreendente! Parece que se tornou prisioneiro desta vida fácil e não consegue mais se libertar dela. Inferiu a hiena querendo cutucar a ferida de Cristal.
͟   Eu, prisioneiro? Rosnou o leão.
A hiena deu uma risada,  porém menos estridente. Começando a temer  uma possível fúria daquele animal, deu um tapinha nas costas de Cristal  e pontuou com mais prudência como se quisesse se proteger :
͟  Se não estivesse aprisionado, poderia me devorar se desejasse. No entanto, parece mais fácil eu fazer isto com você do que o contrário. Deste muita sorte! Estou com a minha barriguinha cheia.
         ͟  Eu não sou prisioneiro! Posso ser uma vítima de um destino trágico imposto pela Vida. Fui deposto “aqui”, mas “lá” eu sou o rei. Pronunciou-se com soberba o leão enfurecido.
Temendo a reação do mesmo, a hiena alertou respeitosamente:
        ͟  Perdeste a majestade, mas não perdeste a ilusão dela. Preso em ilusões, desapropriado da realidade, não terás como gerir a sua liberdade.   Lembre-se: Para o agora só existe o aqui. O lá, onde você era rei,  só existe  na sua imaginação e num passado que se evaporou com o tempo.
A hiena partiu apressadamente como se estivesse fugindo e Cristal foi acompanhando a sua retirada até que  sumisse completamente no horizonte. Parado, como os olhos fixos no mesmo, observando aquele mundo sem fim, sem fronteiras e limites, Cristal pensou consigo mesmo:
͟  Este mundo é grande demais para mim. Talvez a hiena tenha razão. Sou um prisioneiro. Mas, ao contrário do que ela diz, não sou prisioneiro de uma vida fácil, sinto-me prisioneiro desta grandeza.
Com estes pensamentos, adormeceu e sonhou. Sonhou que corria livremente rumo ao horizonte, sem desejos de chegar a lugar algum. Sentia um vigor jamais sentido pelo seu corpo acostumado a ficar parado num mundo estreito, repleto de limites.  Corria e sentia a brisa tocando sua juba,  sentia o cheiro do mato, sentia os seus pés tocando a terra firme. Sentia!.. Lá longe, o sol se preparava para se por e antes que pudesse se esconder totalmente, Cristal deu um salto gigantesco, o maior salto de sua vida, mergulhando naquela bola laranja que se escondia vagarosamente. Depois deste mergulho, passou a ser regido pelo sol. Acordou de seu sonho e voltou para a realidade. Acordou, desta vez, livre. Sem temer qualquer grandeza, passou a deseja-la com o seu coração e com a sua alma. Agora, não se sentia mais regido por um ego fraco e sedento de poder. Era o próprio poder; o poder de ser ele mesmo. Apropriou-se da grandeza de sua alma e de seu coração. Sentiu, pela primeira vez, a verdadeira sensação de ser rei. Rei da jaula? Não. Rei da selva? Também, não. Agora tinha para si o reinado mais importante. Tornou-se, finalmente, o rei de si mesmo.
Mergulhado em seu sol, Cristal ensinou ao seu ser tudo que o seu antigo mundo estreito lhe negara. Aprendeu, sobretudo, que caçar a liberdade pressupõe já tê-la perdido.
A vida dá voltas...  E nestas voltas, nos põe novamente no mesmo lugar que estivemos um dia, para que possamos nos situar frente ao mesmo episódio de uma forma diferente. E foi isso que aconteceu... Agora, com a força e com a garra de um leão, tomou para si uma presa. Antes de abatê-la, olhou no fundo de seus olhos e a soltou sem titubear. Uma hiena muda e com o seu riso sarcástico travado perguntou:
͟   Por que desistiu de me devorar?
͟  Porque, ao contrário de você, mesmo com minha barriga vazia, sou capaz de escolher.
͟  O que lhe motivou fazer esta escolha? Perguntou a hiena repleta de curiosidade.
͟  Mesmo que não me reconheça, saiba que, no passado,  você me libertou  com o seu sarcasmo. Agora, eu lhe liberto com a minha compaixão e gratidão.
͟  Mesmo que não reconheça a esperteza de uma hiena, saiba que lhe reconheci profundamente desde o primeiro momento que o vi. Completou a hiena, olhando no fundo dos olhos de Cristal.
͟   Como assim? Perguntou Cristal confuso e tomado por aquele olhar que parecia atravessar sua alma como se fosse uma flecha.
͟  Em nosso primeiro encontro, embora eu estivesse também com a minha barriga vazia, fingi estar saciada para não correr o risco de despertar sua fera adormecida. Esclareceu a hiena dando uma risadinha que externava humildade e uma profunda admiração pelo mesmo.
͟   Quer dizer que me reconheceu? Perguntou Cristal surpreso.
͟   Assim que colocaste os olhos em mim. Respondeu a hiena com firmeza.
͟   Mas, porque disseste que não estava com fome, naquela ocasião,  quando poderia ter me devorado? Indagou Cristal.
͟   Por medo e por respeito à sua majestade. Respondeu a hiena com ar de reverência.
͟  Não consigo entender! Naquela época eu não era nada! Vivia de ilusões e era prisioneiro de uma vida pequena como você mesmo disse. Questionou Cristal.
͟  Mas, por detrás daquelas ilusões se escondia um rei e eu sabia que ele poderia assumir o seu trono frente a vida a qualquer momento. Reconheci o seu poder muito antes de você. Esclareceu a hiena.
͟ Você é muito esperta mesmo! Exclamou Cristal rugindo como se estivesse dando uma boa gargalhada.
Os dois ficaram ali, rindo das idiossincrasias de cada um.   Depois de algum tempo, a hiena despediu-se, saiu dando suas estridentes risadas e gritando bem alto:
͟   O prisioneiro se libertou! E desapareceu novamente no horizonte.
O horizonte continua sempre lá, em algum lugar. Basta olharmos com vontade de enxergar. É de lá que sai e se recolhe o sol que enche os nossos olhos de admiração. Que possamos a cada nascer e a cada por do sol no lembrar do Cristal que carregamos dentro de nós. Que possamos, sobretudo, fazer o nosso Cristal dar um salto rumo ao infinito e mergulhar em nosso sol interior.

ESPAÇO DE REFLEXÃO

1)Faça uma lista das estruturas as quais você se sente aprisionado.
2) Consciente de suas estruturas prisionais, reflita sobre quais dela você se sente em condições de se libertar neste atual momento de sua vida.
3) Escolha uma delas e reflita sobre o que é necessário fazer para se libertar desta estrutura
4) Estabeleça uma meta para a sua libertação, selecionando cada passo a ser dado e uma data específica para a execução de cada passo
5) Cumpra o desafio abaixo                     

DESAFIO

Execute a meta acima.

No processo acima, o mais difícil não é saber o que fazer, ou como fazer; o mais difícil é executar este fazer.  Portanto, “FAÇA”!