quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013



DIZEM QUE O MEDO PARALISA
A MIM, ELE MOVE
MOVE MINHAS INCERTEZAS
TORNANDO CERTO
O ERRO ASSUSTADOR
QUE TEMIDO
FAZ-ME  SENTIR PERSEGUIDA
INCITANDO-ME A FUGIR SEM RUMO
NA DIREÇÃO DO FRACASSO,
TORNANDO DISTANTE O SUCESSO
QUE TEMO PERDER
SEM TÊ-LO AINDA CONQUISTADO.

ESSE MEDO QUE CARREGO
E QUE CUIDO TÃO BEM
E QUE TÃO BEM CUIDA DE MIM
DESACELERA MEU CORAÇÃO
QUE ACELERADO PEDE CORAGEM.
CORAGEM INCÔMODA
QUE MUITO ME PEDE
ENQUANTO O MEDO SE CALA
ECOANDO UM SILÊNCIO
QUE SEPULTA MINHA LUZ.
NESTA ESCURIDÃO
EU DURMO.

DURMO EMBALADA PELO MEDO
SONO SEM SONHOS
DESPERTAR É PERIGOSO
 O ACIONAMENTO AUTOMÁTICO
DE UM ATO CORAJOSO.
ESTA TEMEROSA CORAGEM
APIMENTADA DEMAIS
 PARA O MEU FRÁGIL PALADAR
QUEIMA E DERRETE
O QUE EU INSISTO
MANTER CONGELADO.

NO RECANTO POLAR DE MEU SER
O MEDO VIVE
A CORAGEM SOBREVIVE.
MINHA ALMA CONGELADA
AGUARDA O SOL
RAIOS DE LUZ
QUE DERRETAM
O QUE É DURO COMBATER.
DERRRETIDA
A GELEIRA DE MEU SER
 HÁ DE TRANSFORMAR
FLUIR.


O NÓ DO MEDO


Valentina, de valente só tinha o nome. Nasceu temendo viver a valentia que seus pais prematuramente lhe roubaram na infância. Desde bebê demonstrava uma insegurança que os pais alimentavam com o perigoso suporte da superproteção. Seu primeiro medo, como o de toda criança, de ficar distante da mãe, era nutrido com a presença marcante da mesma 24 horas por dia. Depois veio o medo do escuro e de dormir sozinha. Para resolver o problema, os pais trataram de colocar Valentina para dormir no aconchegante ninho dos dois. O centro da cama dos pais foi ocupado por Valentina durante muitos anos. Mas, Valentina cresceu e já não cabia mais ali. No entanto, havia espaços suficientes no quartos dos pais para mais um colchão ao lado da cama dos mesmos.
 Chegando a hora de ir para a escola, Valentina resistiu mais uma vez, chorando  meses e meses até, com muito custo e mediante a presença constante da mãe a seu lado na sala de aula, se familiarizar com a professora e com os colegas que deveriam mima-la e agrada-la de todas as formas.
Na adolescência, a presença marcante de um dos genitores em todas as festinhas chegava a incomodar o grupo de amigos. O primeiro namorado tornou-se também o único e a sua preciosa bengala para amparar seus temidos momentos de solidão. Nunca deu conta de se bancar sozinha. O outro,  seja namorado, pais ou amigos deveriam sempre estar presentes para lhe dar suporte emocional. A falta, por menor que fosse, nunca foi suportada e enfrentada. Nunca pegou um ônibus, metrô ou taxi sozinha. Sempre teve um acompanhante para leva-la e traze-la dos lugares frequentados. Nunca fez escolhas que fossem realmente suas. Suas escolhas sempre refletia a luz do desejo de outra pessoa, seja dos pais e, mais tarde, do marido, seu primeiro e único namorado.
Mediante a mínima possibilidade de estar sozinha ou da necessidade de ter que resolver algo sem a presença de alguém a seu lado, dava os seus pitis, exatamente como aquela criança do passado que infelizmente não cresceu dentro de ti.
Com o tempo, seus medos e mimos foram se transformando em pânico e num egocentrismo sem fim. Cultivava sempre uma doença para continuar atraindo a atenção de todos. Se não pudesse ser dos familiares e amigos, que fosse dos profissionais de saúde.
A psicoterapia em combinação com terapia medicamentosa, que geralmente proporciona ótimos resultados em crises do pânico para 90% das pessoas, não surtiu bons resultados em Valentina. Sabem por que? A criança da Valentina não desejava crescer e assumir os riscos e responsabilidades de uma vida de gente grande. Valentina preferia ser frágil a ser valente. Sua fragilidade lhe rendia a atenção viciante que recebia dos entes queridos ao seu redor.
Hoje, Valentina tem filhos, embora nunca tenha conseguido ser uma mãe de verdade. Será eternamente filha de seus filhos. Do trono de filha ela não abriu mão para conquistar o trono de mulher, esposa e mãe.


O medo é uma reação normal e necessária para preservar a nossa integridade, no entanto, torna-se patológico quando move apenas emoções e sentimentos negativos paralisando o nosso ser e o nosso desenvolvimento. Uma pessoa corajosa não é uma pessoa sem medo. A coragem precisa do medo para existir. Não precisamos da coragem quando não existe o medo nos espreitando. Uma pessoa de coragem é uma pessoa que enfrenta seus medos com sabedoria e estratégia. Existem também os inconsequentes que carecem de medo não por serem dotados de coragem, mas por não possuírem a sabedoria necessária para medir a consequência de seus atos.
O medo saudável existe para nos preservar, jamais para nos paralisar e adoecer. Podemos, de certa forma, dizer que a prudência é uma modalidade de medo saudável. A reação de medo saudável existe para nos proteger. O nosso corpo é inteligente e sabe o que fazer numa situação de perigo; sabe, sobretudo, reagir de forma muito rápida, em frações de segundos, emitindo uma série de sintomas e liberação de substâncias que nos prepararão para uma reação rápida e precisa indispensáveis à nossa proteção. Existe em nosso cérebro estruturas responsáveis pelo elaborado mecanismo de desencadeamento da resposta do medo. Algumas delas, bem primitivas, como a amígdala  tem um pronunciado papel na reação do medo cujo objetivo principal é a nossa preservação. No passado, o homem se deparava com perigos reais e a função destas estruturas era protegê-lo e prepara-lo para o ataque ou para a fuga. Hoje, além dos perigos reais, muitos criam em sua mente perigos imaginários. Como o cérebro não consegue ainda identificar o que é real e o que é imaginário (fantasia), reage da mesma forma nos presenteando com a desconfortáveis reações que o medo nos oferta. 
Apesar do medo nos proteger, a percepção do risco não segue uma lógica que leve em conta os fatos ou a probabilidade de ocorrência dos mesmos. A lógica do medo tem muito  mais haver com fatores emocionais, crenças, traumas, costumes, informações, confiança, educação dentre outros fatores.
Existem medos ancestrais registrados no nosso inconsciente, mais precisamente relacionados com uma estrutura cerebral chamada amígdala.  Dentre estes medos, podemos destacar o medo de escuro, de lugares fechados, de altura; todos eles necessários para preservar a espécie e protege-la. A amígdala envia os sinais para o hipotálamo que se responsabiliza por alterar o metabolismo corporal intensificando a produção de adrenalina, noradrenalina e acetilcolina. A adrenalina é uma substância que melhora o nosso condicionamento físico e intelectual, aumenta a nossa energia e ânimo, bem como a frequência cardíaca e respiratória. Assim, uma há  maior irrigação sanguínea fazendo com que o cérebro e músculos trabalhem de forma mais intensa deixando a pessoa mais ágil e alerta. O coração batendo mais rápido torna a respiração mais curta para captar mais oxigênio. O sangue se espalha mais rápido carreando os nutrientes. Há uma dilatação da pupila para receber mais luz e melhorar visão para facilitar a fuga. O cérebro recebe substâncias químicas excitatórias. Excitado fica mais alerta deixando o pensamento e os reflexos mais aguçados. Há contração das artérias para que o sangue possa se concentrar nos grupos musculares maiores. Alguns vasos se contraem para reduzir a irrigação de órgãos não vitais como pele e extremidades ( o que deixa as extremidades mais frias). O corpo começa a quebrar gorduras que são eficientes depósitos de energia, para disponibiliza-las como energia adicional, e converte as reservas de açúcar em glicose, fornecendo energia extra ao organismo, Esta energia toda é fundamental numa fuga ou combate. Ficamos mais fortes. Os músculos recebem sangue e oxigênio acima do normal e enrijecem, energizados por adrenalina e glicose; isso provoca arrepios, pois os músculos conectados a cada pêlo são tensionados, puxando os fios para cima. Desligam-se os sistemas não essenciais (ex: digestivo e imunológico) para que a energia seja reservada para as funções de emergência. Muitas pessoas com medo sentem dores na região estomacal por causa do aumento da acetilcolina. A acetilcolina é responsável pela contração muscular. A digestão é interrompida, permitindo que o corpo dedique toda energia aos músculos. A sensação de fome desaparece. O sangue deixa o intestino para se concentrar no cérebro e no coração, onde é mais necessário; por isso é comum ocorrer a diarreia.
Como você pode ver, a reação de medo é uma reação extremamente complexa e sofisticada. É saudável ter medo, desde que ele sirva para nos proteger. Existem doenças (Doença de Urbach- Wieth) que calcificam as amígdalas fazendo que com a pessoa perca estas reações e não sinta medo se expondo muito aos perigos. Todas as vezes que perdemos o controle, diante de uma situação ameaçadora, o organismo libera adrenalina. Por mais desprazerosa que sejam estas reações, elas são necessárias para nos proteger. Há no entanto, pessoas que sentem prazer em sentir medo se expondo muito ao perigo ou a situações de terror; são os viciados em adrenalina. 

 Reações de medo intensas, frequentes e descontroladas, podem desencadear  quadros graves de ansiedade e a tão falada síndrome do pânico ou transtorno de ansiedade generalizada.
Devemos aprender a não alimentar nossos medos irracionais e imaginários. Muitos pais e educadores são os grandes responsáveis pela retroalimentação deste sentimento. Quantas crianças são educadas para o pânico e não para aprenderem a se proteger. Carentes de habilidade para oferecer limites ou estratégias saudáveis de proteção, muitos pais e educadores acionam os serviços dos famosos bichos papões. Tentam conter a criança oferecendo um mundo imaginário terrível repleto de perigos. Num mundo assim, a criança desenvolve uma tremenda dificuldade para enfrentar a vida, pois esta é sempre demarcada pela ameaça à sua integridade. A vida passa a ser uma ameaça, temida e evitada, jamais um contexto saudável a ser vivido.
É muito fácil construir um ser medroso. Basta oferecer uma vida sem os alicerces básicos de segurança emocional e um mundo imaginário povoado por monstros aterrorizadores. A coragem aliada à prudência forma o alicerce de uma personalidade bem alicerçada. Ter medo não é o problema; o grande problema é ser desprovido da ação certa diante dos desafios da vida. O que mais tem é gente despreparada para desafios. Diante dos mesmos, foge, mesmo que estes não representem um perigo real à sua sobrevivência. Hoje, lutamos não só pela sobrevivência física, mas também pela sobrevivência de nosso ego, de nossa auto-estima de nossa vaidade e de nosso poder. Essa teia de sobrevivência aumentou muito e muitas vezes nos vemos presos à mesma. Traumas que coloquem em riscos estas outras estruturas de nosso ego se transformam em  sinalizadores importantes para desencadear a reação de medo. Assim, nossos medos estão ficando cada vez mais complexos. Potencializar o nosso poder real, ou seja, o poder de nosso Eu Superior é uma grande arma para lidar com estes embates atuais. Mas, não somos educados para entrar em contato com nossa consciência e estruturas energéticas mais avançadas. Somos levados a perceber cada vez mais a nossa fragilidade para que possamos nos tornar uma presa fácil de um sistema que tenta, a todo momento, corromper a nossa alma, seja ele fruto de uma estrutura cultural, social, religiosa ou familiar. É muito mais fácil manipular uma pessoa medrosa do que uma  dotada de valentia. O valente se rebela, o medroso se submete. O valente provoca revoluções e mudanças necessárias. No entanto, tememos mudanças, o novo e tudo aquilo que não estejamos familiarizados. Por isso, um dos primeiros e maiores medos que o ser humano se depara é com o medo do escuro.  No escuro mora o desconhecido. Tememos aquilo que desconhecemos fora e dentro de nós mesmos. Tememos a nossa sombra, o nosso lado obscuro. Não é à toa que costumamos dizer que certas pessoas temem a própria sombra. Na verdade, não há nada mais aterrorizador do que ela, pois é no porão de nosso inconsciente que residem os nossos mais temidos fantasmas. Somos aterrorizados muito mais por nós mesmos do que pelo outro. Tememos aquilo que desconhecemos dentro de nós mesmos.  Por isso, o auto-conhecimento se torna uma arma poderosa contra o medo, pois joga luz naquilo que insistimos manter escondido. É mais fácil ter controle sobre aquilo que a gente vê e passa a conhecer do que sobre aquilo que a gente desconhece e foge.
Queremos ter controle de tudo, principalmente das coisas sobre a quais é impossível ter controle.  Pessoas controladoras são mais suscetíveis ao medo ou ansiedade. Por trás das crises de pânico sempre se esconde uma faceta controladora de nosso ser.   Quando perdemos o controle de nosso medo, ele se torna uma fobia ou pânico. O medo passa rápido, assim que o objeto ameaçador sai da esfera de nosso foco. A fobia se mantem dentro da gente como um vigilante armado para nos defender. O pânico é o total descontrole do medo. Tomado pelo pânico perdemos o controle total sobre nós mesmos. Pode parecer estranho, mas parece que a vida sempre dá um jeitinho de presentear os controladores obsessivos com o pânico. Talvez queira ensina-los a perder o controle para finalmente conquista-lo de fato:  - “Perca o controle para aprender a lidar com a falta dele”.
Há muitos tipos de medo ou fobias. Alguns deles, dependendo da intensidade, requerem tratamento sério e especializado, pois restringem muito a vida da pessoa acometida.  Todos eles, além de ter uma vinculação com algum trauma, anunciam o desconhecido e trazem a incômoda e não desejada frustração de viver em sintonia com a falta. Aqueles que suportam melhor suas frustrações e  faltas, lidam melhor com seus temores; digamos que possuem maior capacidade de reagir com coragem. Somos seres de falta e precisamos aprender a lição que ela nos oferta. Não é uma lição fácil, porém necessária.  Quem aprende a lidar com a mesma, cresce, amadurece e conquista, ao contrário de Valentina, a condição de adulto.  Há, por outro lado, aqueles que preferem passar a vida como crianças imaturas, eternos filhos a serem protegidos , ao invés de aprender a se proteger. Precisamos aprender a lidar com as adversidades. A vida não é feita só de brisa e de sol ameno e dourado; há momentos ou períodos de tempestades, nuvens escuras e  intempéries inevitáveis.
Para quem deseja aprender a  se proteger saudavelmente e ao próximo, ao invés de superproteger e inibir o desenvolvimento e a maturidade pessoal e alheia, a história de Cabinha pode ilustrar bem esta condição.

CABINHA

Dedico esta história a todos aqueles que tomados pelo medo transformam o amor numa
prisão


Era uma vez um pé de jabuticaba bebê, daqueles bem pequeninos que nascem ao lado da jabuticabeira mãe. Ele vivia cercado de outras árvores num lindo quintal de uma bela casa. Todos os pés de Jabuticaba que ali viviam amavam o bebê jabuticaba e tratavam de protegê-lo para que pudesse se tornar, um dia, uma grande árvore, assim como a sua mãe e tantos outros nascidos naquele quintal. De tão singelo e delicado que era, todos passaram a chamá-lo de Cabinha.
Mamãe Jabuticaba, com seus galhos enormes e abertos, protegia Cabinha de todas as maneiras, com as melhores intenções possíveis. Debruçava-se sobre o mesmo protegendo-o do sol e da chuva forte. Todas as outras Jabuticabeiras tratavam de fazer o mesmo. Formavam ao redor de Cabinha uma grande alameda, como se fosse um grande escudo para protegê-lo dos fortes ventos, que, vez ou outra, passavam por ali desgalhando e derrubando algumas árvores. Com tanta proteção, a pequena jabuticabeira começou a acreditar que o sol, a chuva e o vento fossem muito perigosos. Encolhia-se de medo todas as vezes que alguns raios de sol passavam entre os galhos protetores de sua mãe. Chuva forte, ele nunca conheceu, pois a mãe cercava todo volume d’água deixando apenas que suaves gotas de água banhassem seu filhinho querido. Com a proteção das outras jabuticabeiras, só a brisa suave era capaz de alcança-lo e toca-lo. Ninguém queria que Cabinha, tão pequeno e frágil, pudesse sofrer qualquer acidente ou agressão. Com tanta proteção, todos nutriam a certeza de que aquela árvore bebê iria crescer rapidamente, forte e saudável. Mas, não foi o que aconteceu. Pelo contrário, a pequena árvore estava sempre doente, fraquinha, reclamando cansaço e falta de energia. Ninguém entendia o que estava acontecendo. Quanto mais Cabinha se enfraquecia, mais proteção recebia de todas as jabuticabeiras do quintal. Quanto mais proteção recebia, mais fraco se sentia. Instaurou-se um ciclo vicioso que o deixou tão fraco a ponto de murchar e perder suas folhinhas. O tempo foi passando e Cabinha se transformou num galhinho frágil, quase seco. Mamãe jabuticabeira chorava de tristeza ao ver o filho doente. Com tanta tristeza, foi se tornando frágil também, pois a tristeza duradoura é um sentimento ruim que rouba toda nossa energia. O mesmo aconteceu com as outras árvores ao redor; uma foi contaminando a outra com a sua tristeza até que aquele quintal outrora tão viçoso e bonito foi se transformando num lugar árido e sem vida. O verde das folhas foi se transformando num marrom opaco. Os passarinhos, as borboletas, as Joaninhas, enfim, todos os bichos que antes adoravam repousar sobre os galhos das jabuticabeiras e se nutrir com as deliciosas e docinhas jabuticabas tiveram que abandonar aquele lugar, pois não havia mais alimento e nem mesmo a protetora sombra do passado para refrescar os calorosos dias de verão. Até a família que morava na bela casa daquele quintal se mudou misteriosamente sem que ninguém soubesse para onde e porque. Todas as jabuticabeiras pensavam: Será que uma grande maldição caiu sobre todos nós?
A resposta para tanta indagação foi trazida por um anjo que se mudou para aquela casa. Você deve estar imaginando que este anjo veio do céu como tantos outros que costumamos conhecer nas mais intrigantes histórias. Engano seu! Este anjo veio da roça, de um lugar escondido no meio das matas. Ele conhecia tudo sobre árvores, borboletas, passarinhos, chuva, sol, vento, enfim, conhecia tudo que dissesse respeito à natureza. Era um anjo sábio e experiente. Com tanta sabedoria, você pode imaginar a idade dele. Talvez, aposte numa idade avançada. Mais uma vez, engano seu! Este anjo era uma criança. Isto mesmo, uma criança! Ângelo era o seu nome.
Ângelo aprendeu tudo que sabia sobre a vida com a escola natureza. E, de vida ele sabia bastante, pois a natureza de onde veio era viva, muito viva. Mudou-se com sua família para aquela casa e inicialmente achou muito estranho que um quintal tão grande pudesse ter se transformado em um espaço árido e sem vida. Antes de tirar qualquer conclusão sobre a suposta maldição que poderia ter caído sobre aquele lugar, preferiu sentar próximo de cada jabuticabeira, sentir a energia que cada uma emanava, observar profundamente a postura de todas elas e tecer uma gostosa conversa com todos os habitantes daquele quintal. Ângelo, criado na roça, era bem diferente de todas as pessoas da cidade. Tinha um comportamento que deixava muita gente intrigada – ele conversava com as árvores, com as flores, com os passarinhos e com todos os bichinhos. Muitos o consideravam um maluquinho, mas ele nem se importava. Ele compreendia a limitação e a dificuldade das pessoas para entender a linguagem da natureza. Nem todo mundo fala todas as línguas. E, a língua da natureza só pode ser falada por quem tem muita sensibilidade. Foi numa destas conversas, aliada a uma profunda observação que Ângelo descobriu a maldição que recaiu sobre o quintal. Uma velha e sábia borboleta que descansava sobre os galhos da mamãe de Cabinha comentou:
—Nunca vi uma mãe tão protetora quanto esta! Quis prender o filho num casulo... Olhe no que deu!
Mamãe jabuticabeira retrucou, já meio sem força:
—Casulo? Desde quando eu sou uma borboleta? Cabinha sempre foi livre, eu apenas o protegi com meus galhos das intempéries naturais.
Ângelo tocou graciosamente os galhinhos quase totalmente sequinhos de Cabinha, orientando-o com doçura:
—Cabinha, você precisa mudar de lugar. Você está muito agarrado à sua mãe. Olhe bem os galhos e as raízes dela circundando você. Aí, neste lugar, não há espaço para você crescer e nem para se alimentar como deve.
Mamãe árvore, irritada com Ângelo interveio:
—Como pode dizer um absurdo deste! Sempre protegi meu filhinho de todos os perigos e agora recebo uma acusação destas. Ele sempre foi frágil. Nunca se deu bem com o calor do sol, com a chuva forte e, com certeza, penderia frente um vento forte. Proteção é sinal de amor. Eu amo Cabinha mais do que tudo!
Ângelo abraçou os galhos de mamãe jabuticabeira, deu um beijo carinhoso em seu tronco procurando se explicar:
—Você está entendendo mal o que eu quis dizer. Sei que ama Cabinha e que sempre desejou protegê-lo. No entanto, ao invés de protegê-lo, você o superprotegeu. Como bem disse, proteção é sinal de amor; no entanto, superproteção é expressão de nosso medo. O seu medo adoeceu Cabinha e o impediu de crescer. Ele parece temer tudo aquilo que vai nutri-lo. Querendo protegê-lo, você o privou de experiências fundamentais ao seu desenvolvimento. Ao invés de ensiná-lo a lidar com os perigos e intempéries da vida, você se tornou um casulo que serviu apenas para tirar a sua resistência. Aliás, parece que todas as jabuticabeiras aqui fizeram o mesmo. Viveram em função de protegê-lo e esqueceram de ensina-lo o mais importante.
—O que é o mais importante? Perguntou a mãe curiosa.
—Viver é o mais importante!
Todas as árvores se curvaram perplexas, até que uma delas tomou coragem e perguntou:
—Mas, o que fizemos até agora senão viver?
—Vocês viveram apenas os seus medos e expectativas. Sobreviveram bem e viveram muito mal.
—Você teria como me ensinar a viver? Perguntou Cabinha se esverdeando de esperança.
—Eu teria todo prazer em fazer isto por você. Mas, algumas mudanças importantes deverão acontecer aqui para que não só você, mas todas as jabuticabeiras possam se renovar e viver plenamente.
—Estou de acordo com qualquer coisa que possa me libertar deste casulo que me adoeceu.
—Então, prepare-se ! Pode não ser fácil. No entanto, nada é mais difícil do que ser uma árvore doente. Advertiu, Ângelo.
—Estou pronto! Pode começar! Ordenou Cabinha firmando seu tronco ainda frágil, sem saber ao certo o que lhe aconteceria. Sabia, apenas, que nada poderia ser pior do que a vida que estava levando. Não estava feliz de viver doente num quintal triste e sem vida.
—Terei que tira-lo de perto da mamãe e replantá-lo logo ali, onde o sol, a chuva e o vento poderão tocá-lo e alimentá-lo como necessita.
Antes que Cabinha se pronunciasse, mamãe Jabuticabeira, apavorada, deu um estridente grito se remexendo toda como se uma grande ventania estivesse passando por ali :
—O que! Jamais deixarei você tirar Cabinha daqui. Minhas raízes estão bem entrelaçadas nele. Não o soltarei por nada neste mundo. Saia daqui, seu intruso!
—Eu não sou um intruso! Sou o novo guardião deste quintal. Só quero ajudá-los. Eu não vou tirar Cabinha de você e nem mesmo daqui. Só vou oferecer a ele uma separação saudável baseada numa distância mínima indispensável à vida de qualquer ser vivo. Justificou Ângelo com serenidade querendo apaziguar e conter a postura bélica manifestada pela mãe Jabuticabeira
—Que distância que nada! Se eu pudesse, eu plantava Cabinha em mim para protegê-lo ainda mais. Retrucou a mãe.
—Neste caso ele seria mais um galho seu, ou seja, um prolongamento de si mesma. Não teria vida própria. O que eu quero dar a Cabinha é vida própria. Ele merece, deseja e me pede isto. Mantê-lo atrelado a você não é um ato de amor, mas, um legítimo ato de egoísmo.
As outras árvores ouviam atentamente aquela conversa, até que a mais velha delas interveio:
—Talvez, ele tenha razão. Acho que sufocamos Cabinha com as melhores intenções. Agora que sabemos onde erramos, não faz sentido permanecermos no erro.
—Você fala assim, porque ele não é seu filho. Queria ver se estivesse na minha casca... Dificilmente continuaria com este mesmo discurso.
—Já vivi esta situação muitas vezes. Sou a mais velha daqui. Todas vocês são minhas descendentes. Tenho filhos, netos e bisnetos ao meu redor. Vocês cresceram saudáveis por eu ter permitido a vocês viverem a vida. Com esta educação moderna de hoje, as coisas parecem ter mudado para pior. Ao invés de oferecer a vida, os pais oferecem uma redoma. Antigamente, as coisas não eram assim. Como bem disse Ângelo, a proteção virou uma prisão. Aprisionado, ninguém se desenvolve. O excesso de proteção foi a maldição que caiu sobre todos nós.
—Abaixo a superproteção! Abaixo a superproteção! Protestaram enfaticamente todas as árvores do quintal.
No lugar da tristeza que adoeceu a todos foi brotando um certo clima de revolta. Cabinha, sentindo-se responsável pela confusão, começou a chorar. Aos soluços suplicou a Ângelo que fizesse o que havia sugerido.
—Me tire daqui! Me dê a distância necessária para que eu aprenda a viver. Preciso aprender a me virar sozinho.
—De jeito nenhum! Eu não vou permitir! Sempre busquei com as minhas raízes, no solo mais profundo, o alimento que te nutriu até hoje. Você não teria como fazer isto sozinho. As suas raízes são pequenas e frágeis. Se as outras árvores não desejam mais colaborar, eu hei de dar conta do recado sozinha. Sempre te protegi com minha frondosa copa. O seu corpo não aguentaria o calor do sol e a força da chuva e do vento. O seu lugar é aqui, do meu lado. Daqui você não sai! Pronunciou a mãe jabuticabeira com um tom arrogante e dominador, se sacudindo toda e espalhando algumas folhas secas sobre o chão como se estivesse querendo mostrar a sua força.
—Eu não sou mais nenhuma criança, apesar de me tratar como tal. O tempo passou. Apesar de não ter conseguido me desenvolver fisicamente, eu amadureci. O seu amor possessivo não quer me deixar crescer. Se não quiser me libertar, eu mesmo me libertarei de você. Te amo muito, mas não deixarei mais que este amor me adoeça. Retrucou Cabinha, enfrentando a mãe.
—Que ingratidão! Doei a minha vida a você e é isso que recebo em troca? Vitimou-se a jabuticabeira mãe
—É justamente isto que não quero. Não quero que vivam por mim. Quero que vivam por vocês mesmos e por todos os seres que residem neste quintal. Mãos à obra , Ângelo! Ordenou Cabinha expressando pela primeira vez uma autoridade adulta.
Ângelo, com muito cuidado e carinho, começou a cavar a terra em volta de Cabinha para retirá-lo sem traumas e ferimentos. As raízes de sua mãe se entrelaçavam nas suas raízes tornando este trabalho muito difícil. Não queria ferir a mãe jabuticabeira e nem mesmo Cabinha puxando-o, bruscamente, de qualquer forma. Foi necessário desenvolver um complexo trabalho de desembolar as raízes, desatar os nós e separar as duas árvores. Depois de muita luta, conseguiu retirar Cabinha do solo e das presas de sua mãe. Dona jabuticabeira chorava e de suas folhas pingavam lágrimas como se fossem gotas de orvalho. Com o coração partido, Ângelo tentou acalmá-la, mesmo sabendo que só o tempo e a experiência poderia fazer isto por ela:
—Não fique triste! Cabinha continuará pertinho de você. Só precisa de um espaço só dele para desenvolver-se. Antes ele residia no seu espaço. Agora terá o seu próprio. Não seja egoísta! Espaço é o melhor presente que pode dar a seu filho.
A jabuticabeira não queria ouvir. Chorava compulsivamente sem acreditar na possibilidade dela e do filho serem felizes separados um do outro.
Ângelo plantou Cabinha a alguns metros da mãe, num espaço bem grande onde pudesse se expandir ao máximo. Ela poderia ver o filho quando quisesse, só não poderia mais atrapalhar o seu crescimento. A terra que o acolheu ofereceu as boas vindas prometendo fertilidade. Replantado em território próprio, Cabinha sentiu uma sensação que jamais sentira antes – liberdade. Sentiu, também, medo, ansiedade e insegurança - sentimentos estes, comuns no exercício inicial da liberdade. Mas, enfrentou estes sentimentos com outros ainda mais poderosos. Armou-se de coragem, otimismo e determinação para enfrentar todos os desafios que apareciam, dia após dia. Aprendeu a lidar com a doçura e com a fúria do sol, da chuva e do vento. Aprendeu a buscar sozinho o seu próprio alimento. Aprendeu a se relacionar com outros seres, pois a cada dia um bichinho diferente pousava em seus galhos querendo conhecê-lo melhor e iniciar uma nova amizade. Como Cabinha era muito simpático, fez centenas de amigos. Nunca estava sozinho. De onde estava, conversava com a mãe, pedia orientações quando necessário e demonstrava o prazer da nova vida. Dona Jabuticabeira, vendo toda transformação ocorrida com o filho, tornou-se capaz de enxergar o que a sua viseira do passado não permitia. Compreendeu o quanto estava errada cegada pelo medo de se separar e perder a sua jóia mais preciosa. Compreendeu que o seu amor doentio só poderia adoecer o outro e a si mesma. Amor doente de ciúme, medo e possessividade ao invés de alimentar , envenena. Cabinha foi envenenado no passado, mas agora estava curado. As outras jabuticabeiras acompanhavam a recuperação de Cabinha exalando felicidade e satisfação. A felicidade também contamina. No entanto, a contaminação da felicidade só traz saúde e bem estar. Foi assim que aquele quintal se transformou, novamente, num lugar saudável e gostoso de se viver.
Ângelo cuidava de seu quintal com amor e carinho. Sabia que seu zelo era também um grande alimento para todas as árvores, flores e bichos daquele lugar. Ângelo cresceu junto com Cabinha. Teve filhos e Cabinha também. Hoje, pode saborear as deliciosas jabuticabas que Cabinha fartamente lhe oferece todos os anos. Gosta sempre de levar crianças, adolescentes e adultos para sentar-se sobre sombra de Cabinha para ouvir uma história que termina sempre assim:
“Quem tem medo de viver, adoece, padece e não cresce

ESPAÇO DE REFLEXÃO

1)    Faça uma relação de seus medos
2)    Quais as estratégias usualmente utilizadas por voce para fugir deles?
3)    Quais estratégias você não tem coragem de adotar para enfrenta-los?
4)    Os seus medos lhe impedem de crescer em quais áreas de sua vida?
5)    O que você não quer perder com este crescimento que você evita?
6)    O que você perde deixando esta criança medrosa controlar a sua vida?

DESAFIO

Adote a estratégia que você ainda não adotou para enfrentar seu medo. Se julgar arriscada ou não tiver a segurança necessária para enfrenta-la, procure a ajuda de um profissional especializado que possa  ajuda-lo.