CÁRCERE DA LIBERDADE
MINHA LIBERDADE SOBREVIVE
VIVE ENCARCERADA EM SEUS PRINCÍPIOS
VOA COM SUAS ASAS
VÔO RASO
CONTROLADO POR SEU RADAR
APRENDI A PENSAR COM SUA CABEÇA
CONSTRUIR VALORES QUE NÃO VALORIZO
VALORES SEUS
APRENDI A QUESTIONAR
QUESTÕES SUAS
APRENDI A GOSTAR DO QUE GOSTA
GOSTO MEU...
DESGOSTO PRA TI
GOSTO SEU TEM SABOR DE APROVAÇÃO
GOSTO MEU, REJEIÇÃO
APRENDI A ANDAR COM SUAS PERNAS
SEGUIR SEU CAMINHO
COM MINHAS PERNAS
TROPEÇO NOS MEUS DESCAMINHOS
ME AQUIETO FRENTE SUAS RASTEIRAS
APRENDI A OLHAR COM SEUS OLHOS
FUREI OS MEUS
VIVO DE TUA LUZ OFUSCANTE
AFOGO EM MINHAS TREVAS DELIRANTES
TODA VEZ QUE OLHO PRA MIM
APRENDI A TOCAR COM SUAS MÃOS
MINHAS MÃOS...
SÓ PRA CUMPRIMENTAR AS SUAS
TOCO NA INSENSIBILIDADE
PRA NÃO SENTIR MEU VAZIO
APRENDI TANTA COISA
QUE NÃO DEVERIA APRENDER
APRENDI APRENDER
O QUE ME É SOLICITADO
IGNORAR-ME
ANALFABETO DE MIM
NÃO FAÇO MINHA LEITURA
NÃO CONSTRUO MEU MUNDO
VIVO DO ALTO ALUGUEL DE SEU MUNDO
PRA NÃO ME SENTIR SEM TETO
QUISERA EU
CORRER O RISCO DE SER EU
NÃO SER MAIS VOCÊ
SER ERRANTE
MAS, SER
QUISERA EU
VOAR, PENSAR, GOSTAR,
ANDAR, OLHAR E APRENDER
COMIGO E COM O QUE SOU
COMIGO E COM O QUE POSSO VIR A SER
SOU EU
E POSSO VIR A SER MAIS DO QUE EU
NEM MAIS E NEM MENOS DO QUE VOCE
APENAS EU
LIVRE
O NÓ DO APRISIONAMENTO
Esta é a história de vários
prisioneiros. Talvez, você seja um deles:
Da Dona Maria que só faz aquilo que o
marido quer. Que de tanto fazer os desejos do marido, perdeu os seus próprios.
Hoje, sabe tudo sobre o marido; sabe tudo que ele gosta e quer, só não sabe mais de si
mesma.
Da Alessandra que anda mais ligada no
facebook do que na vida. Usa a internet para controlar cada passo que o
namorado dá. Controlando a vida do namorado, perdeu o controle sobre a própria
vida.
Do José que vive trabalhando ao invés
de trabalhar para viver bem.
Da Letícia que, mesmo tendo 6 anos de
idade, está sendo preparada para o mercado de trabalho. Perdeu a sua infância
antes mesmo de ter a garantia de que vai viver a idade adulta.
Do Gustavo que se droga para sentir
livre, mas se tornou dependente da sua droga libertadora.
Da Fabiana que quer ter muito
dinheiro para ser respeitada por todos, embora não tenha ainda aprendido a
respeitar a si mesma. Prisioneira do cifrão, olha mais para seu extrato bancário
do que para a própria vida e para o mundo ao seu redor.
Do Tiago que deseja um corpo sarado a
qualquer custo, mesmo que para isto adoeça a sua alma. Deseja uma imagem bem
distante daquilo que é de verdade e bem semelhante à imagem dos comerciais que vendem
os produtos que compra.
Da Viviane que estuda para competir e
não para aprender o que gosta.
Do Marcelo que não larga o emprego
que detesta, mas que ele diz lhe dar segurança. Largou de si mesmo para segurar
naquilo que não gosta.
Da Mariane que compra compulsivamente
para se libertar de suas carências e de
seu vazio interior.
Do Joel que projetou para si uma vida
extremamente estressante para ter tranquilidade daqui a 10 anos. Já quase
doente, acredita que vai conquistar a saúde perfeita no futuro como se saúde
fosse uma questão de mágica e não de qualidade de vida.
Da Ester que se apegou a um Deus
egocêntrico e controlador para libertar a sua alma.
Da Júlia que temia não ser amada.
Para não correr o risco de viver sem o amor de seu sonho, casou-se com um homem
que não amava. Agradece muito não ser mais uma mulher solteira, embora deteste a vida de casada.
Do Sérgio que liga a TV e vê todos os
dias a mesma programação. Reclama que só tem coisa que não presta na TV, mas
programou-se para apertar sempre a mesma tecla e o mesmo canal.
Do Noel e da Suzana que vão sempre
para os mesmos lugares, fazem sempre as mesmas coisas. Vivem emburrados dizendo
que a vida é um tédio, mas quando são convidados a fazer algo diferente, arranjam
sempre uma desculpa para não viverem esta diferença.
Do Nicolas que não perdoa o Fred.
Prefere ser prisioneiro de sua raiva do que libertar-se dela.
Da Joaquina que só veste roupa de
marca para deixar a sua marca, mas a marca que fica mesmo é da grife que usa.
Do Murilo que ganha um salário que
não paga o que produz.
Da Martinha que é obrigada a votar
mesmo quando inexiste um candidato decente.
Da Flavinha que fala, faz e gosta daquilo
que a turma aprova para não ser desaprovada por eles.
Do Pedro que toma remédio para não
ficar doente.
Da Morgana que transa por obrigação e
não por prazer.
Do Sérvio que tem o sexo como um
vício e uma obsessão.
Da Soninha que obedece por medo e não
por respeito.
Do Juca que apanha da polícia toda
vez que se manifesta.
Do Marcinho que precisa fazer prova
para provar que sabe. Seu saber é medido por uma nota e não pela sua produção e
atuação frente a sua escola e frente a vida.
Da professora Celina que precisa
fazer greve para a educação que ela tanto preza ser respeitada, bem como seus
direitos como cidadã responsável pela construção da consciência de cidadãos
desrespeitados assim como ela.
Da Gabriela, que iludida pelo
discurso de uma política podre, suou para ter um diploma que não lhe serve para
nada.
Do Valério que morreu na fila do SUS
esperando ser atendido.
Da Carolina que ainda não morreu, mas
está morrendo de medo de ter o mesmo destino do Valério.
Do Lucas que não pode ser artista por
medo de não sobreviver nesta selva brasileira de hipocrisia – uma sociedade que
diz amar uma arte que é desprezada em cada esquina. Assim, resolveu ser médico
mesmo não tendo vocação para isto, pois terá a certeza que será aplaudido por
todos mesmo matando muita gente nos corredores de alguns abates humanos
chamados de hospitais.
Do Jeremias que não sai mais de casa
por medo de ser assaltado, mas é assaltado todos os dias pelos impostos
cobrados pelos governantes que lhe prometeram proteger dos assaltantes.
Da Sanita que vive com tudo trancado.
Sai de casa, mas trama antes uma estratégia para enganar o assaltante.
Do Paulo que resolveu ser político
para acabar com a corrupção. Mas, chegando lá, descobriu que é mais fácil ser
transformado num corrupto do que executar a sua proposta inicial.
Do Casemiro que vive encafurnado num
asilo por não ter mais como gerir a própria vida como antes fazia, vida passada
nem tão diferente da atual, quando vivia também encafurnado, porém no trabalho,
contribuindo para um governo que
teoricamente lhe daria a garantia de uma velhice saudável e feliz.
Da Luna, que embora bebê, vive
encafurnada numa creche, pois os pais precisam se encafurnar num trabalho que
lhe roubam todo tempo que teriam para a mesma.
Da Valeriana que mesmo sabendo que
“algum dia” é um dia que não existe, passa o dia todo presa numa escola
aprendendo coisas que não gosta e as coisas que gosta vão ficando para “algum
dia”...
Do Juca que se vê obrigado a pagar
altos impostos para ter o que, na verdade, sabe que nunca vai ter.
Do Gustavo que queria ser bailarino,
mas temendo ser rotulado de “bicha” resolveu ser professor de Educação Física.
Do Luiz que segue a carreira
escolhida pelos pais.
Da Virgínia que, aprisionada em seus
preconceitos, não consegue amar e ser amada por aquele que faria, de fato, a
diferença em sua vida.
Da Francesca que não pode assumir o
seu amor proibido.
Do Pedro que vive enclausurado em um
corpo doente.
Da Luiza que se tornou oprimida a partir
de sua luta para libertar os oprimidos.
Da Terezinha que morre de inveja da
vida fútil da Leandra.
Do Fábio que pensa ser livre, mas
vive preso a este pensamento.
E por aí vai... Tanta gente
prisioneira de ideias, valores, pensamentos, sentimentos, políticas, regras, sistemas
e de um estilo de vida nem um pouco libertador.
Acho que nem é preciso falar muita coisa, frente os exemplos
acima. Lutamos pela liberdade, mas nos enveredamos nas armadilhas acima. Como
diz Rubem Alves em seu livro: O Passarinho Engaiolado- “Toda armadilha tem uma coisa apetitosa dentro. Basta esta coisa
apetitosa ser bicada para que a porta se feche para sempre”.
Depois
que entramos dentro das nossas gaiolas, nem sempre teremos mais coragem de
sair. Lembro-me de um passarinho que tive no passado. Vivia feliz dentro de sua
gaiolinha, cantando alegremente. Certo dia, repentinamente, parou de cantar e
foi ficando muito triste. Talvez, tenha se dado conta de sua real condição. Talvez,
tenha começado a enxergar um mundo além de sua gaiola. Tornar-se consciente,
dói. Coloquei sua gaiola na varanda de
minha casa, abri a portinha da mesma e dei a ele a liberdade para voar e
partir. O verdadeiro amor não aprisiona nada e ninguém. Eu amava o meu
passarinho. Preferia ele livre e feliz à escravo de meus caprichos, cantando
para mim. Meu passarinho passou dois dias sem coragem de deixar a sua gaiola. Inicialmente,
achei que iria voar rumo à liberdade
logo que visse a porta aberta, mas ele teve medo como todos nós diante da mesma.
É mais fácil passarmos a vida reclamando a nossa condição de aprisionamento do
que assumir a responsabilidade pela nossa própria vida. Ter alguém responsável
pelas nossas mazelas nos traz uma sensação de tranquilidade – “Pelo menos não
sou eu quem estou fazendo este mal todo comigo”.
Meu
passarinho se libertou. Muita gente me disse: “Ele vai morrer. Não foi criado para ser livre. Foi condicionado a viver
dentro de uma gaiola e a depender de seus cuidados”. Concordo. Como todos nós, o meu passarinho foi
condicionado a viver aprisionado, se contentar com um mundo pequeno e acreditar
que a grandeza do mundo lá fora é muito perigosa. Acomodou-se, contentando-se
em receber comida na hora certa e não ter que fazer muito esforço para conquistar o que deseja e precisa. Mas
entre morrer dentro e fora da gaiola, eu preferiria morrer fora e experimentar
esta liberdade tão assustadora.
Na
minha adolescência, hospedada na casa de um primo que também tinha um
passarinho bem parecido com o meu, cheguei em casa feliz e deparei-me com o
passarinho duro e morto no chão de seu pequeno mundo, uma gaiolinha bem apertadinha e bem parecida com a
gaiola do passarinho que libertei alguns anos à frente deste triste episódio.
Levei um grande susto e fiquei extremamente chocada com aquela situação. Saí
correndo sem coragem de olhar para aquela cena tão trágica aos olhos de uma
adolescente sedenta de liberdade. Quando vi, no futuro, meu passarinho triste e
correndo o risco de morrer como o passarinho do meu primo, não pensei duas
vezes antes de liberta-lo. Fico triste e chocada, assim como nesta cena que
vivi na minha adolescência, quando vejo pessoas morrendo sem nunca
experimentarem a tão temida e desejada liberdade. Por isso, optei por permitir
ao meu passarinho decidir: “viver ou morrer fora ou dentro de sua gaiola”. Ele
fez a opção dele. Em algum momento teve a coragem de fazer o seu voo mais alto
e mais longínquo. Não tive a alegria de presenciar este momento; um momento só
dele. Posso imaginar a emoção dele frente esta experiência de vida. Muitos diriam
que bichos não tem emoção, que não possuem um cérebro sofisticado como o nosso
para isto. Eu que tenho bichos, que convivo intimamente com eles, infelizmente,
tenho que admitir que eles possuem um cérebro mais sofisticado do que quem
pensa assim. Somos prisioneiros destas
ideias formatadas para aliviar o nosso sentimento de culpa frente a escravidão
que impomos aos nossos animais.
Ser
livre não é simples como todo mundo gostaria que fosse. Talvez seja simples
para a nossa alma, mas estamos engaiolados num ego que teme a liberdade mais do
que tudo. Nosso ego quer reconhecimento, segurança e poder. Nossa alma não
precisa de nada disto. A grande maioria de todos nós, já nasceu aprisionado, dentro
de nossas gaiolinhas. Algumas são de ouro, outras de prata, madeira e há também
gaiolas enferrujadas e feias. Independente da aparência delas, todas são gaiolas. Medimos o nosso valor pela
qualidade de nossa gaiola. Quanta ilusão! As filosofias milenares indianas
dizem: “O homem vive de ilusões”. O primeiro cárcere que precisamos destruir
são as nossas ilusões. Existem muitos cárceres, todos eles construídos com o
propósito específico de cercear a nossa visão do mundo. Um dos maiores cárceres
reconhecidos e legitimados como espaço do conhecimento é a dita ciência. Ela
dita o que vale e o que não vale dentro de um contexto
sócio-político-econômico. Aprisiona ideias não reconhecidas por ela e legitima
verdades que não são tão verdadeiras assim; verdades que beneficiam um grupo e
excluem outros. Quantas verdades legitimadas pela nossa ciência se transformou
em grandes mentiras com o passar dos anos. Quantas mentiras se transformaram em
verdades. Sou fã da ciência, mas não de uma ciência cega, preconceituosa e
politicamente comprometida com interesses de grupos dominantes.
Os
nossos preconceitos, o nosso fanatismo por uma ideia, os nossos sentimentos
negativos nos aprisionam mais do que qualquer gaiola. A própria educação não é
nem um pouco libertadora como ansiava Paulo Freire. Temos uma educação muito
mais voltada para produzir soldadinhos em massa para enfrentar a guerra do
vestibular e dar continência a conhecimentos que nos entopem para não sobrar
lugar para o que realmente importa. O que realmente importa é aquilo que pode
nos libertar. No entanto, uma consciência livre depõe governantes e toda uma
estrutura opressora.
Meu
pai é quem conta uma história interessante do final de sua infância e começo de
sua adolescência. Estava sendo preparado para ser combatente na segunda guerra
mundial – “Eles nos fizeram uma lavagem
cerebral tão elaborada que acreditávamos que seria o máximo lutar pelo nosso país. Lutaríamos e voltaríamos
ilesos e vitoriosos. A morte que nos espreitava não era abordada em nosso
treinamento. Assistíamos cenas dos combatentes felizes e das batalhas vencidas.
As derrotas, o derramamento de sangue, a angústia dos familiares que perdiam
seus entes queridos, a loucura e a neurose de guerra que habitava a mente de
quem conseguia retornar nunca foi mostrada naqueles vídeos. A riqueza de nossa
vida de nada valia. Valia os podres interesses de nossa nação e das outras
aliadas a ela. Despreparados para qualquer tipo de batalha, seríamos colocamos
na linha de frente com o único propósito de levar bala e dar suporte para
outros grupos de soldados um pouco mais preparados do que nós. Uma vida servida para ser bucha de canhão.” Como
tiveram coragem de preparar crianças para enfrentar uma guerra, engaiolando a
consciência destas numa farda bonita? Não temos que morrer pela nossa pátria ou
nação; temos que viver por ela, mas não somente por ela. Temos que viver o
nosso propósito existencial. Este propósito transcende as divisas territoriais.
Meu pai tinha 13 a 14 anos na época desta guerra vergonhosa; uma criança nos
primórdios de seu adolescer. Se temos
que ter algum sentimento para com países que fomentam uma guerra, este
sentimento não deve ser nunca de patriotismo. O único sentimento plausível
neste contexto é a vergonha, revolta e indignação. Pessoas inocentes não
merecem morrer porque os poderosos não conseguem se entender. Nenhum poderoso é
colocado na linha de frente de um canhão. São colocados na linha de frente de
interesses de uma minoria que se esconde atrás de um poder que massacra a maioria.
Ainda bem que a guerra acabou sem que
meu pai precisasse se tornar a bucha de canhão. Hoje, com 83 anos de idade,
contribuiu, contribui e ainda há de contribuir muito para este país; sempre contribuiu,
sobretudo, para a formação de minha consciência. Quantas vidas de homens que se
tornaram grandes pilares na construção deste país teriam sido perdidas se esta
guerra não tivesse terminado ?
Mesmo
que sejamos prisioneiros destas estruturas de poder, podemos começar a investir
na nossa liberdade permitindo aos nossos olhos enxergar. Na mesma historinha do
Passarinho Engaiolado de Rubem Alves, há uma menção à nossa cegueira: “Muitos malvados furam os olhos dos pássaros
engaiolados; dizem que pássaro de olho furado canta mais bonito”. Portanto,
pense: Para quem você deseja cantar? Parar de cantar para quem lhe fura o olho
já é um grande passo. Identificar os furadores de olho é um passo ainda mais
importante para você se proteger e atacar caso seja necessário.
Nossas
asinhas são cortadas assim que espreitamos um voo que possa nos levar além da
vidinha a qual estamos acostumados. Existem dois tipos de vida: A vida infinita
e a nossa vidinha diária. A vida infinita é aquela que transcende a rotina do
nosso dia a dia. Não temos controle algum sobre ela. Ela impõe as regras e cabe
a nós aceita-las. Ela está conectada com a nossa alma e se organiza
presenteando-nos com desafios que possam nos fazer crescer e amadurecer. A nossa vidinha diária está conectada com o
nosso ego. É totalmente controlada e organizada por ele. Rígida, não aceita
mudanças, a não ser que estas sejam totalmente previsíveis. Trememos de medo todas as vezes que a vida
infinita invade os espaços de nosso ser. É mais fácil ser controlado do que
perder o controle de um ego comprometido com estruturas de poder que anseiam a
todo momento nos fragilizar. Temos um grande poder, embora, na maioria das
vezes, não o reconheçamos. Aprisionamos nosso poder na jaula de nossa
consciência alienada. Tememos muito mais o nosso verdadeiro poder do que a
falta dele. É mais fácil ser a vítima do que o herói que nos habita. Aprisionamos
o nosso verdadeiro ser para ser objeto de desejo de estruturas alienantes. O
herói faz; a vítima clama. Somos levados a acreditar muito mais na nossa
fragilidade do que na nossa força. Clamando o que nos falta, deixamos de fazer
o que precisa ser feito: lapidar o cristal que existe dentro de nosso ser. Assim, como na historinha abaixo, liberte o
seu rei para se tornar soberano sobre si mesmo.
O REI DA JAULA
Era
uma vez um leão chamado Cristal que morava dentro de uma jaula, no jardim
zoológico de uma grande cidade, desde o seu nascimento. Junto com ele, moravam
mais dois leões e duas leoas. Cristal vivia feliz neste mundo encarcerado.
Nunca conhecera outro mundo a não ser o seu. Sem critérios de comparação,
achava que as possibilidades da vida se limitavam às possibilidades ofertadas
pelo seu limitado mundinho. Se algum incômodo começasse a surgir, querendo
alerta-lo para a imensidão do mundo lá fora, tratava de criar um desafio que
pudesse desviar a sua atenção para as pequenas recompensas que a sua vidinha
lhe ofertava. Por não ter nunca recebido uma grande recompensa, ou desejado
isto, carecia de critérios de comparação para avaliar se as recompensas que a
sua vidinha lhe oferecia eram realmente compensadoras. Dentro
de sua jaula, ele era o leão que mandava. Era o mais forte , o rei da jaula; e isto lhe bastava, assim como muita gente
que se sente poderosa.
Muitas
vezes a vida insiste em mudanças que nem sempre desejamos. E foi exatamente
isto que aconteceu com Cristal. Certo dia, a defensoria dos animais, resolveu
libertar os leões do zoológico onde Cristal vivera desde o seu nascimento, levando-os
de volta ao seu habitat natural. Não seriam mais prisioneiros e nem mesmo
objetos de admiração das pessoas; poderiam, finalmente, gozar a liberdade. No
entanto, não foi exatamente isto que aconteceu, pelo menos, com Cristal. Libertos
de seu cárcere, os outros leões se perderam no gigantesco mundo que lhes foi
presenteado. Dizem, que vez ou outra, apareciam exibindo muito vigor e força,
além de uma farta família de leõezinhos.
Cristal, ao contrário, perdeu toda a sua exuberância. Elegeu uma toca
como morada e raramente saía da mesma em busca de alimento; se contentava com
os restos dos outros felinos. Diante de uma carniça já em estado de putrefação,
foi abordado por uma hiena que deu uma estridente risada:
͟ Onde foi parar sua majestade?
͟ Minha majestade foi roubada quando tomaram o
meu trono e o mundo em que eu vivia
antes de estar aqui. Lá, eu era o rei. Respondeu Cristal com ar de humilhação.
A
hiena, surpresa, indagou:
͟ Quer dizer que estou diante de um verdadeiro
rei ? Mesmo que seja um ex rei, você me surpreendeu. Não consigo ver nenhum
sinal de majestade em você. Conte-me como era este mundo que você vivia e
dominava. Eu bem que gosto de uma boa história. Solicitou a hiena dando com
outra longa risada, escarniando Cristal.
Cristal,
meio sem jeito, tentou responder a pergunta maldosa daquele animal que o olhava
como se ele fosse uma carniça:
͟ Apesar de pequeno, eu dominava meu mundo e os
outros leões que viviam comigo. Tinha duas esposas e dois servos. Mandava em
todos e todas as minhas vontades eram satisfeitas com um simples olhar meu.
͟ Por que não se sente rei aqui também?
Contrapôs a hiena.
͟ Porque os meus prisioneiros se libertaram,
roubaram minhas esposas e fugiram por este mundo sem fim. Muitos animais que
encontro por aqui são bem mais fortes e mais safos do que eu. Careço de certas
habilidades por não tê-las exercitado ao longo de minha vida. Nunca precisei caçar o meu alimento, me
acostumei com uma vida fácil e repleta de regalias. Respondeu Cristal admitindo
sua fragilidade.
͟ Poxa, que história surpreendente! Parece que
se tornou prisioneiro desta vida fácil e não consegue mais se libertar dela. Inferiu
a hiena querendo cutucar a ferida de Cristal.
͟ Eu, prisioneiro? Rosnou o leão.
A
hiena deu uma risada, porém menos
estridente. Começando a temer uma
possível fúria daquele animal, deu um tapinha nas costas de Cristal e pontuou com mais prudência como se quisesse
se proteger :
͟ Se não estivesse aprisionado, poderia me
devorar se desejasse. No entanto, parece mais fácil eu fazer isto com você do
que o contrário. Deste muita sorte! Estou com a minha barriguinha cheia.
͟
Eu não sou prisioneiro! Posso ser uma vítima de um destino trágico
imposto pela Vida. Fui deposto “aqui”, mas “lá” eu sou o rei. Pronunciou-se com
soberba o leão enfurecido.
Temendo
a reação do mesmo, a hiena alertou respeitosamente:
͟
Perdeste a majestade, mas não perdeste a
ilusão dela. Preso em ilusões, desapropriado da realidade, não terás como gerir
a sua liberdade. Lembre-se: Para o agora só existe o aqui. O lá,
onde você era rei, só existe na sua imaginação e num passado que se
evaporou com o tempo.
A
hiena partiu apressadamente como se estivesse fugindo e Cristal foi
acompanhando a sua retirada até que sumisse completamente no horizonte. Parado,
como os olhos fixos no mesmo, observando aquele mundo sem fim, sem fronteiras e
limites, Cristal pensou consigo mesmo:
͟ Este mundo é grande demais para mim. Talvez a
hiena tenha razão. Sou um prisioneiro. Mas, ao contrário do que ela diz, não
sou prisioneiro de uma vida fácil, sinto-me prisioneiro desta grandeza.
Com
estes pensamentos, adormeceu e sonhou. Sonhou que corria livremente rumo ao
horizonte, sem desejos de chegar a lugar algum. Sentia um vigor jamais sentido
pelo seu corpo acostumado a ficar parado num mundo estreito, repleto de
limites. Corria e sentia a brisa tocando
sua juba, sentia o cheiro do mato,
sentia os seus pés tocando a terra firme. Sentia!.. Lá longe, o sol se
preparava para se por e antes que pudesse se esconder totalmente, Cristal deu
um salto gigantesco, o maior salto de sua vida, mergulhando naquela bola
laranja que se escondia vagarosamente. Depois deste mergulho, passou a ser
regido pelo sol. Acordou de seu sonho e voltou para a realidade. Acordou, desta
vez, livre. Sem temer qualquer grandeza, passou a deseja-la com o seu coração e
com a sua alma. Agora, não se sentia mais regido por um ego fraco e sedento de
poder. Era o próprio poder; o poder de ser ele mesmo. Apropriou-se da grandeza
de sua alma e de seu coração. Sentiu, pela primeira vez, a verdadeira sensação
de ser rei. Rei da jaula? Não. Rei da selva? Também, não. Agora tinha para si o
reinado mais importante. Tornou-se, finalmente, o rei de si mesmo.
Mergulhado
em seu sol, Cristal ensinou ao seu ser tudo que o seu antigo mundo estreito lhe
negara. Aprendeu, sobretudo, que caçar a liberdade pressupõe já tê-la perdido.
A
vida dá voltas... E nestas voltas, nos
põe novamente no mesmo lugar que estivemos um dia, para que possamos nos situar
frente ao mesmo episódio de uma forma diferente. E foi isso que aconteceu...
Agora, com a força e com a garra de um leão, tomou para si uma presa. Antes de
abatê-la, olhou no fundo de seus olhos e a soltou sem titubear. Uma hiena muda
e com o seu riso sarcástico travado perguntou:
͟ Por que desistiu de me devorar?
͟ Porque, ao contrário de você, mesmo com minha
barriga vazia, sou capaz de escolher.
͟ O que lhe motivou fazer esta escolha?
Perguntou a hiena repleta de curiosidade.
͟ Mesmo que não me reconheça, saiba que, no
passado, você me libertou com o seu sarcasmo. Agora, eu lhe liberto com
a minha compaixão e gratidão.
͟ Mesmo que não reconheça a esperteza de uma
hiena, saiba que lhe reconheci profundamente desde o primeiro momento que o vi.
Completou a hiena, olhando no fundo dos olhos de Cristal.
͟ Como assim? Perguntou Cristal confuso e
tomado por aquele olhar que parecia atravessar sua alma como se fosse uma
flecha.
͟ Em nosso primeiro encontro, embora eu
estivesse também com a minha barriga vazia, fingi estar saciada para não correr
o risco de despertar sua fera adormecida. Esclareceu a hiena dando uma risadinha
que externava humildade e uma profunda admiração pelo mesmo.
͟ Quer dizer que me reconheceu? Perguntou
Cristal surpreso.
͟ Assim que colocaste os olhos em mim.
Respondeu a hiena com firmeza.
͟ Mas, porque disseste que não estava com fome,
naquela ocasião, quando poderia ter me
devorado? Indagou Cristal.
͟ Por medo e por respeito à sua majestade. Respondeu
a hiena com ar de reverência.
͟ Não consigo entender! Naquela época eu não
era nada! Vivia de ilusões e era prisioneiro de uma vida pequena como você
mesmo disse. Questionou Cristal.
͟ Mas, por detrás daquelas ilusões se escondia
um rei e eu sabia que ele poderia assumir o seu trono frente a vida a qualquer
momento. Reconheci o seu poder muito antes de você. Esclareceu a hiena.
͟ Você
é muito esperta mesmo! Exclamou Cristal rugindo como se estivesse dando uma boa
gargalhada.
Os
dois ficaram ali, rindo das idiossincrasias de cada um. Depois de algum tempo, a hiena despediu-se, saiu
dando suas estridentes risadas e gritando bem alto:
͟ O prisioneiro se libertou! E desapareceu
novamente no horizonte.
O
horizonte continua sempre lá, em algum lugar. Basta olharmos com vontade de
enxergar. É de lá que sai e se recolhe o sol que enche os nossos olhos de
admiração. Que possamos a cada nascer e a cada por do sol no lembrar do Cristal
que carregamos dentro de nós. Que possamos, sobretudo, fazer o nosso Cristal
dar um salto rumo ao infinito e mergulhar em nosso sol interior.
ESPAÇO DE REFLEXÃO
1)Faça
uma lista das estruturas as quais você se sente aprisionado.
2)
Consciente de suas estruturas prisionais, reflita sobre quais dela você se
sente em condições de se libertar neste atual momento de sua vida.
3)
Escolha uma delas e reflita sobre o que é necessário fazer para se libertar
desta estrutura
4)
Estabeleça uma meta para a sua libertação, selecionando cada passo a ser dado e
uma data específica para a execução de cada passo
5) Cumpra o desafio abaixo
DESAFIO
Execute
a meta acima.
No
processo acima, o mais difícil não é saber o que fazer, ou como fazer; o mais
difícil é executar este fazer. Portanto,
“FAÇA”!