segunda-feira, 22 de abril de 2013

O NÓ DA CULPA


ERREI
E AGORA ?
ERRASTE
E AGORA?
AGORA
NÃO HÁ MAIS O QUE FAZER
COM O ERRO QUE HABITA O PASSADO
AO AGORA
O PERDÃO IMPLORA
QUE JOGUE FORA
O QUE AO PRESENTE NÃO PERTENCE
NA LIXEIRA
DE TUDO QUE NÃO PODE SER DESFEITO
FICA O ERRO
E NA CAIXA DE PRESENTE
FICA O APRENDIZADO
DO MAL QUE NÃO SE DEVE MAIS VIVER


O NÓ DA CULPA


Das Dores tinha sempre uma dor a reclamar. Seu  corpo era uma lixeira que abrigava uma série de vivências mal elaboradas. Todos os erros,  ao invés de serem jogados na lixeira do passado, eram depositados em seu corpo. Das Dores alimentava todas as culpas dos erros que cometera vida afora e era também mestra em culpar o outro. Ela não entendia porque sentia tanta dor e porque seu corpo era tão pesado. Das Dores não digeria suas experiências de vida. Pelo contrário, gostava de rumina-las e amarga-las.  Adorava apontar seu dedo indicador num gesto de julgamento como se fosse um juiz no tribunal da vida. A pena que escolhia para si mesma e para os pobres pecadores ao seu redor era sempre muito alta. Aprisionava no cárcere de seu mundo doente todos que erravam e, sobretudo, ela mesma. Parecia querer fazer o papel daquele Deus julgador e punitivo que ela tanto amava. Aliás, era muito religiosa, embora não aprendera a valiosa lição do perdão deixada pelo mestre Jesus Cristo.
Seu processo terapêutico não fluía, pois usava a terapia apenas como uma lata para depositar o volume de lixo que seu corpo não suportava mais. O trabalho de reciclagem deste lixo era sempre rejeitado por Das Dores. Só desejava chorar, apontar erros e cutucar feridas. Dizia de boca para fora que perdoava, mas logo que se descuidava, lá estava Das Dores reclamando e clamando as dores que causou ao mundo e o mundo a si mesma.
Das Dores adorava a terapia, embora não conseguisse fazer tão bom proveito da mesma. Era obcecada por punição. Sentia certo prazer mórbido por chicotear a sua alma e o seu corpo com as dores que colecionava.  Colecionava dores e gostava de dividir sua coleção com as pessoas ao seu redor. Foi ficando muito sozinha, pois não há pessoa saudável que queira compartilhar a energia que oferecia com tanta fartura – sofrimento.
Das Dores tinha uma autoestima muito baixa. Tornar-se mártir era uma forma de sentir-se mais valorizada. Falar de seu sofrimento era uma forma de monopolizar a atenção das pessoas. Alimentar a culpa era uma ótima estratégia para manter a chama do seu sofrimento sempre acesa. Pode parecer loucura, mas é esta a chama que ainda hoje, depois de muitos anos, move Das Dores. Ela não aceita nenhuma técnica ou recurso que possa liberta-la. A chama do amor, da paz e felicidade não aquecem e nem iluminam seu cárcere emocional.
Há quem se sustente e sinta iluminada e aquecida apenas pelas trevas. Só é possível salvar quem estende a mão em busca do verdadeiro socorro. Das Dores até estendia a sua mão, no entanto, para puxar para baixo e para o seu mundo sombrio mais uma vítima de si mesma.

A culpa é uma forma de controle e manipulação; um desperdício do momento presente para manter vívido um passado que gera dor e sofrimento. Por detrás da culpa há sempre uma personalidade imatura e infantil que busca uma punição inconsciente para um erro cometido e não processado pelos níveis mais evoluídos do nosso ser. O arrependimento é, por outro lado, o processamento saudável de um erro. A culpa não abre espaços para nenhum padrão de elaboração mental e emocional de uma vivência que aponte nossos erros e imperfeições. O arrependido cresce e amadurece. O culpado se mantem preso no cárcere de um sofrimento sem fim, exigindo uma perfeição que não pode ser alcançada e apegado, de forma exagerada, a um padrão estabelecido que nega as nossas verdades e vicissitudes. O arrependido compreende; o culpado ou culposo acusa e exige punição. O arrependido é humilde, enxerga seu erro e procura transcende-lo através de mudanças em seu comportamento presente. O viciado em culpa disfarça seu orgulho, que lhe impede enxergar o erro como uma possibilidade de crescimento, com o traje de uma culpa que busca, na verdade, segurança, aprovação e piedade. O arrependido não quer a piedade de ninguém, por isso não alimenta o conflito entre o certo e o errado , não impõe nenhuma moralidade ao seu ato e nem mesmo exige uma imagem idealizada de si mesmo ou dos outros. Deseja, sobretudo, viver a prática do perdão e toma consciência de seu erro como uma forma de recuperar seu poder e responsabilidade para agir com integridade. Sabe reconsiderar seu sistema de valores e está atento não só à relatividade da moral, do certo e do errado, como também dos disfarçados produtores de culpa presentes em nossa sociedade. Se permite ser livre para recomeçar quantas vezes for necessário; quer ser feliz e transformar a vida numa experiência de crescimento e não numa vivência onde não haja espaço para o erro. Quer ser visto como uma pessoa madura e forte, jamais como um ser digno de piedade. Sabe que todo seu processo de amadurecimento depende de uma transformação que ocorre à  partir do erro, jamais da punição e tortura. Não usa o passado como um espaço para se proteger de experiências que não deseja encarar ou viver no presente. Tem uma boa autoestima e consegue se aceitar mesmo não sendo perfeito e não recebendo a aprovação de outras pessoas. Não tem a pretensão de ser um exemplo ou um modelo padrão. Para isto, evita também produzir culpa no outro. Bem diferente de Das Dores, o arrependido além de se comprometer em avaliar as consequências reais de seu comportamento, quer expurgar as suas dores e cultivar o seu bem estar e o seu desenvolvimento. Age como o pescador da história abaixo e não se permite ser puxado por nenhuma bruxa travestida de sereia para o fundo sombrio do lago de suas vivências negativas e das vivências mórbidas de outro ser, sejam estas vivências conscientes ou inconscientes. Para isto, compromete-se sempre com seu processo de iluminação, ou seja, levar luz ao porão de seu mundo interior e exterior.
Não precisamos, necessariamente, de um juiz severo no mundo externo para apontar nossos erros e sentenciar a nossa pena. Possuímos estruturas internas que sabem fazer isto muito bem. O nosso superego é um juiz que fere o nosso coração com uma lei que preconiza a culpa e a punição. Por outro lado, o nosso Eu Superior sabe lançar um olhar maduro sobre as nossas arestas e lapida-las com a ferramenta do perdão.
Para quem deseja se proteger de um superego cruel ou dos perigosos produtores de culpa de nossa sociedade, leia a história abaixo da Sereia Cruel. Pescar a bruxa antes que ela lhe lance nas profundezas de uma culpa sem fim e manter vivo e alerta o pescador que navega em nosso Eu Superior será sempre o nosso grande desafio.

A SEREIA CRUEL

Era uma vez uma linda sereia que vivia aparentemente infeliz em seu mundo.  Ela sempre dava um jeitinho de aparecer para alguém e contar a sua triste história. Dizia que sonhava sair das águas sombrias do lago em que vivia e tornar-se uma linda mulher de verdade, capaz de caminhar com suas próprias pernas e tecer o seu próprio destino. No entanto, estava encarcerada em sua cauda de peixe por obra do um feitiço de uma bruxa má e destinada a viver para sempre nas águas daquele lago repleto de mistérios.
Só uma coisa poderia salva-la de tamanha maldição. A Sereia dizia que se alguém se interessasse pela sua história, o feitiço se quebraria e de sua cauda nasceria as tão desejadas pernas para que pudesse finalmente caminhar terra firme e viver feliz como qualquer ser humano.
Tomando sol sobre as pedras à margem do lago, a Sereia foi abordada por um pescador:
- Uma sereia! Estou enxergando direito? Indagou o pescador passando as mãos sobre os olhos para certificar-se se estava acordado ou se aquela visão não passara de um sonho.
- Enxergando muito bem! Sou a Sereia do Lago. Na verdade, tornei-me a sereia deste lago por conta do feitiço de uma bruxa muito má.
- Como assim? Não estou entendendo.
- Sou um ser assim como você. Vivia no seu mundo até que a bruxa me condenou a viver neste lago sombrio. Hoje sou infeliz por culpa da maldade da bruxa má.
- Mas, porque ela fez isto? Perguntou o pescador com ares de indignação. 
- Por pura maldade. Respondeu a Sereia fazendo um beicinho como se desejasse chorar.
- Mas, todo feitiço pode ser quebrado. Você sabe como quebrar o seu? Perguntou o pescador querendo encontrar uma saída para o infortúnio da Sereia.
-O meu feitiço dificilmente poderá ser quebrado. Alguém deverá se interessar pela minha história para que a minha cauda se transforme em pernas novamente. Respondeu a Sereia exalando uma questionável desilusão.
- Qualquer pessoa se interessaria por você. És tão bela! Exclamou o pescador querendo anima-la.
- É aí que reside toda dificuldade, pois todos se interessam por mim quando deveriam se interessar pela minha história. Contrapôs a Sereia num tom agressivo,  lançando sobre o pescador um olhar censurador.
- Pois eu me interesso pela sua história. Pode contar-me; sou todo ouvidos. Ofertou-se o pescador lançando sobre a Sereia um olhar de compaixão.
A Sereia começou a contar sua história dramatizando a posição de vítima que os mestres em culpar os outros sabem fazer tão bem. Todas as vezes que contava sua história, grande parte das pessoas que ouviam, tomadas primeiro pela compaixão e logo em seguida pela culpa, eram arremessados para sempre para dentro do lago sombrio. O pescador seria, com certeza, a sua próxima vítima. Com o mórbido desejo de sensibiliza-lo com sentimentos negativos atirou a sua primeira flecha emocional:
- A culpa desta cauda que me imobiliza é de uma bruxa má que sempre invejou a minha beleza. Resolveu roubar a minha beleza, por não dar conta de sua feiura. Me furtou as pernas e me deu esta cauda condenando-me a morar neste lago. Disse-me que a culpa de meu infortúnio era a maldade de todos vocês, pois sempre se interessariam pela minha beleza e nunca por mim de verdade. Infelizmente, tenho que admitir que vocês só gostam da minha casca e não se interessam pelo meu conteúdo. Se algum de vocês se interessassem por mim, eu não estaria mais aqui enclausurada nesta cauda. Aposto que você é também como todos os outros. Só quer aproveitar de minha beleza. Pisa no meu coração sem sentir a minha dor. Seu insensível! A minha tristeza não lhe traz nenhum arrependimento?
O pescador, que era muito esperto, interrompeu a Sereia tentando alerta-la para seu discurso recheado de culpa:
- Epa! Pode parar por aí! Como você pode dizer que sou insensível e que me interesso somente pela sua beleza se nem bem me conhece? E, como posso me interessar pelo seu conteúdo se não conheço nada sobre você? Ao contrário de tristeza, o que vejo em você é arrogância e desejo de torturar-me. Indagou o pescador.
- Está vendo como você é frio! Se tivesse um pouco de compaixão não diria uma coisa destas. Censurou a Sereia com uma voz estridente.
- E o que tem de errado com o que acabei de falar? Questionou o pescador olhando no fundo dos olhos da Sereia, agora com um tom de voz e com uma expressão firme e inabalável.
- Tem muita coisa errada com você. Por causa destas coisas erradas que povoam o seu ser, belas moças acabam ficando assim como eu. Por pior que a bruxa seja, neste ponto ela tinha razão. Vocês são os vilões de nossa beleza. Berrou a Sereia batendo com sua calda no chão, mostrando sua força e sua oposição.
- Todo vilão precisa de uma vítima e toda vítima de um vilão. Parece que você deseja justamente isto.  Quer me fazer sentir culpado para manipular-me? Lamento lhe informar que comigo este joguinho não funciona. Felizmente, em poucos minutos pude lhe conhecer profundamente. Devolvo a você o lixo que tentou jogar sobre mim.  Não há como me interessar pela sua história e nem tampouco por você. Agora, consigo ver nitidamente a sua feiura. Acho que a bruxa má mora dentro de você mesma. Fique com a sua sujeira, pois ela só pertence a você mesma. Sentenciou o pescador tentando se proteger das malícias da Sereia.
A Sereia ficou furiosa. Pela primeira vez foi desmascarada. De seu rosto lindo surgiu a face de uma bruxa horrível. Quando viu a sua imagem terrível refletida nas águas daquele lago sombrio, deu um estridente grito:
- Seu malvado! Você vai me pagar caro por isto.
A Sereia preparou o seu bote tentando dar, com a sua enorme cauda, uma lambada nas pernas do pescador para lança-lo no fundo do lago, assim como fizera com tantas outras pessoas que caiam em sua armadilha emocional. Mas, o pescador era safo e antes que tomasse uma rasteira da bruxa lançou sobre ela uma rede de pescaria. Presa na rede a bruxa rosnava de ódio.
- Seu malvado! Seu Malvado!
O pescador puxou a bruxa para fora do lago sombrio e, tão logo em terra firme, sua cauda se transformou em pernas. Presa na rede a bruxa esbravejava:
- Me tire daqui! Me tire daqui, seu malvado.
O pescador colocou ao lado da bruxa aprisionada duas placas; uma de advertência e outra de orientação. Na placa de advertência estava escrito com letras garrafais: “Cuidado com a culpa! Só ela solta a bruxa.” E, na placa de orientação estava escrito: “Transmute a culpa para se libertar.”
Como ninguém queria ver a bruxa solta, o sinal de alerta se manteve aceso para proteger todos aqueles que não desejavam cair no jogo da culpa. Para a bruxa e para todos que traziam uma bruxa presa dentro de si, bastava aceitar o desafio da transmutação. Dotados desta consciência, ser livre das redes da culpa passou a ser, dali para frente, uma opção. Libertar daquelas redes não traria nem a bruxa e nem mesmo a sereia de volta; traria um ser, humano como qualquer outro,  capaz de caminhar pela vida com as suas próprias pernas aceitando cada desafio desta caminhada.  
Depois que a bruxa foi presa, do fundo do lago sombrio emergiram dezenas de pessoas que foram enfeitiçados por ela. Aprisionados por algum erro do passado, se tornaram uma presa fácil da culpa que a bruxa soube, no passado, manipular com maestria. Agora, com a intervenção do pescador, estavam livres para transitar em seu vasto mundo dos sentimentos e emoções. Quanto ao pescador, mais do que pescar falsas sereias, sabia como ninguém transmutar seus erros e libertar a sua alma dos desencantos das bruxas que povoam os lagos sombrios da vida.

ESPAÇOS DE REFLEXÃO

Procure analisar se você você é capaz de transmutar a sua culpa e transforma-la em arrependimento. Para isto, veja se é capaz de adotar os comportamentos abaixo todas as vezes que comete um erro:
(  ) Sou capaz de encarar o passado como algo que não pode ser mudado e  aprender com meus erros
(   ) Me aceito, mesmo não recebendo a aprovação dos outros
(   ) Sou uma pessoa flexível e capaz de reconsiderar meu sistema de valores
(   ) Abro mão de idealizações e perfeições
(   ) Abro mão  de querer tudo controlar
(   ) Abro mão de manipulações
(   ) Tenho energia para recomeçar
(   ) Me permito ser livre
(   ) Estou atento aos produtores de culpa ao meu redor
(   ) Desejo ser uma pessoa forte e madura e não um ser digno de piedade
(   ) Estou atento à relatividade da moral, do certo e do errado
(   ) Me permito errar
(   ) Me permito transformar
(   ) Uso meu erro como uma ferramenta de transformação
(  ) Diante de meus vacilos, comprometo-me a recuperar a minha responsabilidade e poder para agir, da próxima vez, com mais maturidade e integridade
(   ) Não desejo ser um padrão ou um exemplo de perfeição para o outro
(   ) Não produzo culpa no outro
( ) Procuro sempre avaliar as consequenciais de meu comportamento
(   ) Vivo o meu presente
(  ) Não uso o passado como uma armadura capaz de me proteger das experiências que preciso vivenciar no aqui agora
(   ) Sei perdoar

DESAFIO

"PERDOE". 
Pode não ser fácil, mas é uma salvação e uma medicação valiosa. Se você não souber ou não conseguir perdoar os outros e a si mesmo, busque ajuda ou clique em PERDÃODIABÓLICO VENENO, QUANDO A CIGARRA EMUDECEU e em  PERDOAR PARA MANTER-SE SAUDÁVEL para fazer algumas reflexões neste sentido.