DESCOBRI QUE SOU MEIO PSICÓTICO.
VIVO NUM MUNDO
ONDE A LEI É MEU
DESEJO.
DESTITUÍDO DA
REALIDADE,
VEJO SEU DESEJO ME
PERSEGUINDO,
QUERENDO MATAR O MEU.
ARMO-ME COM A
INTOLERÂNCIA
PARA NÃO HABITAR
E NEM MESMO
COMPARTILHAR
UM MUNDO QUE NÃO SEJA O
MEU.
DESCOBRI QUE SEU MUNDO
ESTÁ FORA E BEM ALÉM DE MIM.
REJEITO A LEI DO SEU
DESEJO
PERSEGUINDO COM OS MEUS
A SUPREMACIA DE SEU
SER.
TOLERO APENAS
AQUILO QUE NÃO TOLERAS
EM MIM.
NA NOSSA DIVISA
TERRITORIAL
HÁ GRANADAS DE PROTEÇÃO
QUE DESTROEM QUALQUER
RELAÇÃO MÚTUA.
EM MEIO A TANTAS
DESCOBERTAS
HÁ ALGO ENCOBERTO POR
NÓS.
TALVEZ A CAPACIDADE DE
CONJUGAR
O VERBO NA PRIMEIRA
PESSOA DO PLURAL.
CONJUGAR O NOSSO MUNDO.
UM MUNDO QUE NÃO SEJA
SÓ MEU
OU SÓ SEU, APENAS.
QUE SEJA, SOBRETUDO
AMADO, OU NO
MÍNIMO, TOLERADO
POR NÓS DOIS.
Pacífico, de pacífico não tinha nada;
só a necessidade de ser tal qual o seu nome. Não tolerava nada. Tudo tinha que
sair do seu jeito. Incapaz de lidar com as suas frustrações, andava sempre
muito furioso. Queria que o mundo e as pessoas fossem à imagem e semelhança de seus desejos.
Pacífico separou-se da sua primeira
esposa por não dar conta de tolerar os limites impostos pelo corpo da mesma
para gerar um filho. Sem dar conta de respeitar o tempo que esta esposa
precisava para conseguir engravidar, resolveu se separar e apostar numa segunda
chance de ter um filho segundo a rítmica de seus egoísticos desejos. Embora, a
primeira esposa tenha conseguido se engravidar de um outro homem mais tolerante
e paciente, três anos depois desta
separação, Pacífico nunca se deu por vencido; insistia em dizer que a
ex-esposa negara lhe conceder o filho
tão desejado e não a sua intolerância para esperar o tempo certo para isto.
Casado pela segunda vez, teve,
finalmente, o filho tão desejado. Seu
filho nunca conseguiu ser percebido como um filho, ou seja, como um ser
independente; sempre foi percebido como uma extensão de seus desejos. Seu filho
deveria ter a personalidade que a sua
cabeça doente criou e não a personalidade criada pela essência de vida concedida ao
mesmo. Na cabeça de Pacífico, o filho deveria ser muito pacífico; pacífico o
suficiente para tolerar todos os desmandos e tormentos que este pai concedia a
este filho. Ao contrário de tudo que desejava, ganhou da vida um filho muito
rebelde e agressivo. Dona Vida parecia querer ensinar alguma coisa a Pacífico
espelhando no filho a própria cara do pai.
Desde a mais tenra idade, Pacífico não
tolerava as mínimas dificuldades do filho, até mesmo as dificuldades próprias
da idade. Forçou o filho a andar antes que este estivesse, de fato, preparado.
Isto rendeu ao mesmo muitas cicatrizes no rosto. Era uma criança que caía
muito, pois foi privado de engatinhar para ofertar ao mundo passos aos quais
não estava preparado. E assim, foi caminhando pela vida afora, conduzido pela
ânsia e pelas imposições de um pai ditador, despreparado para os passos que era
constantemente obrigado a dar, sempre
tropeçando e caindo ao longo das
tortuosas estradas da vida que ousava imaturamente trilhar. Na adolescência,
pai e filho viviam em pé de guerra; cada
um querendo impor o seu mundo ao outro. Só não havia abertura para compartilharem
o mundo do outro.
Das escolhas que o filho fez na vida,
pouquíssimas delas foram toleradas por Pacífico. Armava-se da intolerância para
impor ao filho uma vida que só era desejada por si mesmo. Para firmar uma identidade,
o filho seguiu as piores referências que o pai lhe ensinara desde o seu
nascimento através de seu próprio exemplo; tornou-se mais intolerante ainda que seu
mestre paterno. Se o mestre é bom, o discípulo quase sempre o suplanta. E, foi
assim, que o filho conseguiu superar o pai na intolerância e no ódio.
Aprendemos
a ser intolerante com os intolerantes que nos cercam. Exemplos é que não faltam
numa sociedade avessa à tolerância. Se viver a tolerância é difícil, com
certeza, viver a intolerância é ainda muito mais, já que a energia desta não é
agradável de ser sentida, nem tampouco, conjugada. O intolerante só conjuga os
ditames de seu ego ditador. Tem muita dificuldade para aceitar as diferenças
que são sempre vistas como uma ameaça ao modelo de vida que ele estabeleceu
como saudável e correto; na verdade, saudável apenas para si mesmo, pois em nenhum momento,
deseja saber se as normas de sua ditadura é saudável para o outro.
A
intolerância não abre espaços para paciência e para serenidade reinar. O
semblante de um intolerante está sempre fechado denotando uma fisionomia que
pronuncia uma ordem de afastamento. A interação é sempre evitada e temida. O
intolerante só interage com seus próprios desejos. Vivemos numa sociedade
intolerante. Foi preciso criar leis para que as diferenças pudessem ser aceitas
e respeitadas. A intolerância religiosa, racial, sexual, dentre outras, já fez
inúmeras vítimas fatais. Embora hoje, sejamos obrigados a tolerar, não
atingimos ainda a maturidade para naturalmente aceitar e perceber a importância
das diferenças. Enquanto a maturidade não chega, precisaremos ser monitorados
por leis que restrinjam e coíbam a supremacia de nosso ego.
A
nossa criança interna faz birras; quer que seus desejos sejam atendidos, por
mais mesquinhos que sejam. Nunca quer saber se a atenção exclusiva aos seus desejos
prejudica outras pessoas. O importante é a satisfação de suas demandas. Um ser
maduro consegue conciliar a satisfação de suas necessidades com as do próximo.
Sabe perceber a existência do outro e não somente a sua própria. O imaturo só
percebe o outro quando este lhe convém ou realiza seus desejos. O ser maduro
sabe que é também “o próximo” diante do outro; consegue interagir, compartilhar
e valorizar as diferenças. Se as diferenças o incomoda, sabe, no mínimo, respeita-las
ou propor acordos. O intolerante tem sempre uma frase pronta que vomita diante
de qualquer adversidade: “Eu não sou bobo!”. Para não viver a condição de “bobo”
ou por temer ser “passado para trás”, quer estar sempre à frente de todos. Para isto, não
respeita o espaço alheio, deseja um espaço só seu. Se irrita profundamente quando
tem que conjugar espaços. Exemplos clássicos de intolerância acontecem, a cada
minuto, no trânsito caótico de nossas cidades. Se alguém se encontra à frente de
um intolerante no trânsito, num ritmo mais lento, obrigando-o a desacelerar...
Eis o cenário perfeito para a intolerância reinar. Buzinar rispidamente, frear bruscamente
diante do outro, fechar e até mesmo bater no veículo alheio são estratégias de
condutores imaturos que desejam impor a sua condição frente o desejo de ser
único num cenário tão diversificado e complexo. Assistimos cenas cada vez mais
bizarras. As pessoas se enlouquecem diante da necessidade de compartilhar
um espaço cada vez menor nas ruas de
nossas cidades. Há também os
intolerantes com sinais de trânsito. São capazes de desrespeita-los, mesmo
diante de um pedestre atravessando a rua. Quantas vezes, quase fui atropelada
na cidade do Rio de Janeiro, pelos intolerantes que circulam pelas ruas desta
cidade maravilhosa, principalmente pelos condutores de transportes coletivos. Que
perigo! Intolerantes conduzindo inúmeras pessoas ao longo do dia, não só no
trânsito, mas dentro de escolas como educadores, dentro de famílias como pais,
dentro de igrejas como padres e pastores, enfim dentro de cada um de nós pode
existir um intolerante muito perigoso. É preciso ficar atento às imprudências
dos intolerantes. Aliás, um intolerante acaba sendo sempre muito negligente e
imprudente. São pessoas que apresentam extrema dificuldade para lidar com
limites. Para aqueles que possuem estas dificuldades, acaba sendo necessário
usar a linguagem energética a qual estão habituados e aptos a entender para impor
um respeito que poderia ser natural. A criação de leis duras acaba sendo um mal
necessário, entretanto, incapaz de solucionar o problema. O ideal ainda está muito longe de ser
alcançado – a capacidade de agir naturalmente segundo uma consciência calcada
no bem coletivo. A ação humana é ainda conduzida pelas “normas” de bom convívio e não pela “consciência” de boa convivência. Infelizmente, ainda há muitos seres humanos
que precisam ser adestrados. A educação por si só não funciona para quem
resiste aos limites, à observância e
respeito ao próximo. Mas, a educação aliada à uma ética social, hoje
escassa, é com certeza o caminho rumo a este ideal.
Saber
comungar é uma virtude rara. Tem gente que se diz comungar com Deus, mas na
verdade, só comunga os desejos que impõe a este realizar. Vê Deus como uma
propriedade privada – “Deus a mim pertence e a mim deve servir”. Poe desejos em Deus que são, na verdade, seus.
Deus deve desejar o que deseja e executar as suas ordens, quase sempre travestidas
de pedidos ingênuos e bonzinhos. Se Deus
realiza um desejo do outro que vá contra o seu, a ira inconsciente contra o
mesmo é detonada. Temendo este Deus que ele próprio criou, acaba projetando sua
ira contra a pessoa mais próxima por medo de ser punido por este ser divino,
criado à sua imagem, semelhança e intolerância. Desconta no outro aquilo que
não dá conta de cobrar de Deus. A
incapacidade de ver Deus como Deus, acessível a qualquer criatura, seja ela a
mais desprezível nos conceitos de quem quer que seja, impede aos seres humanos
comungar.
Da
comunhão nasce o relacionamento, o compartilhamento e a interação. Nasce também
a irmandade; deixo de ser filho único para ser mais um. Neste cenário onde
coexisto, sou incitado a dividir com o irmão. O conjunto deixa de ser unitário,
preenchido apenas por mim; passa a ser um conjunto infinito. Se já é difícil
compartilhar com duas ou mais pessoas um espaço em comum, imagina compartilhar
com infinitos seres este mesmo espaço. Nossa missão é muito maior do que
imaginamos. Rejeitamos esta missão quando agimos com intolerância. A tolerância
será o primeiro passo para interagirmos de forma mais harmônica com o outro e
com tudo que nos rodeia. Se conseguirmos cumprir a nossa missão, seremos muito
mais do que tolerantes, seremos seres sábios e amorosos. Sairemos deste
mundinho estreito que impomos a nós mesmos numa tentativa de controlar tudo e a
todos e conseguiremos perceber um universo complexo e incontrolável dentro de
todos nós. Compreenderemos que somos partes de um todo e ao mesmo tempo um todo
formado por infinitas partes. Saberemos que nenhuma parte exclui a outra,
apenas se complementam. Dotados de uma consciência de complementariedade,
brigaremos menos, pois nos sentiremos menos ameaçados. Sem a ameaça nos rondando,
saberemos que poderemos coexistir. Coexistindo, não seremos solitários;
compartilharemos a nossa essência de ser ao mesmo tempo tão parecido e tão
diferente do outro. Para entender melhor a dinâmica deste compartilhamento,
leia a história abaixo.
A Briga entre os Deuses
Na nossa cultura, geralmente
cultuamos um só Deus. Há, por outro lado, outras culturas que veneram vários Deuses
ao mesmo tempo. Independente de qualquer coisa, a minha imaginação divina, cria
histórias que possam tornar mais compreensível o que é, deveras, complicado de
entender. Sendo assim, pouco importa se Deus vai ser uno ou múltiplo. O
importante é que ele seja. Começo a minha história com um Deus que resolveu
parir vários filhos, portanto, Deuses também, pois filho de Deus, Deus é. E é a história destes filhos que vou lhes
contar agora.
O grande Deus teve muitos filhos,
alguns deles combinavam muito bem, outros nem tanto, como por exemplo, o Deus
Dia e o Deus Noite. Houve uma época em que o Dia e a Noite não se toleravam. O
Dia só aceitava o seu desejo de ser luz e a Noite só aceitava o seu próprio
desejo de ser escuridão. O Deus Dia ficava muito chateado quando o Deus Noite chegava e impunha a sua presença. Achava
que a chegada da Noite lhe roubava o seu brilho, a sua luz e a sua importância
de SER. Temia perder o seu reinado e que a Noite pudesse passar a governar para
sempre a vida no planeta onde foram criados. Por outro lado, a Noite tinha a
mesma chateação. Não tolerava nem um pingo de luz para não se sentir subtraída
e exterminada pelo Dia. Mas, independente da chateação destes Deuses, o Dia e a
Noite sempre morriam e deixavam de existir em algum momento e em algum lugar,
como também, renasciam e passavam a
existir em algum momento e em algum lugar. Nestes tempos remotos, Dia e Noite
existiam totalmente independentes um do outro; cada um fazendo o seu papel e
rejeitando o papel do outro. Cada um se achando mais importante e reverenciando
o seu desejo exclusivo de Ser. Dia e Noite se rejeitavam completamente. Não
havia entre ambos nenhum espaço de interação. O dia se apagava e a noite
aparecia como num passe de mágica, assim como o acender e o apagar de uma
lâmpada. Ambos sabiam da existência do outro, só não sabiam da importância
deste outro, de certa forma, desconhecido. A ameaça que cada um representava
era o único conhecimento que possuíam um do outro. Conheciam, apenas, uma operação: Deixo de ser
quando o outro passa a ser. Deixo de existir quando o outro existe. Ser ou Não
Ser; Existir ou Não Existir, passou a ser uma questão complicada na vida do
Deus Dia e do Deus Noite. Como eram Deuses, eram, com certeza, muito importantes
e poderosos. Jamais seriam extintos. Mas, mesmo sabendo que eram para sempre
Dia e Noite e que existiriam para sempre como Dia e Noite, sentiam que, mesmo existindo, deixavam de Ser e de Existir em algum momento.
Que operação complicada! O Deus, pai do Dia e da Noite, percebendo a
complexidade deste problema e a intolerância que reinava entre Dia e Noite, resolveu
intervir. Criou um momento onde pudesse haver uma interação e uma troca mútua
entre o Dia e a Noite; um momento onde eles pudessem compartilhar as suas
diferenças. A lâmpada não seria acesa e apagada num passe de mágica. Haveria um
processo de transformação onde um Deus pudesse sentir o outro completamente.
Foi assim que criou o crepúsculo matinal , um momento onde o dia não é tão dia
assim, e, o crepúsculo vespertino, um momento onde a noite não é tão noite
assim. O dia experimenta em seu corpo a energia da noite e vice versa. Dia e
noite se interagem, sentindo a energia provida por cada um e a energia provida entre ambos neste acasalamento crepuscular.
Foi neste momento de interação mútua,
que o Deus Dia e o Deus Noite compreenderam que são ambos, um só Deus, partes
de um todo; partes que se complementam mutuamente. Foi neste momento mágico, de
tolerância mútua, que nasceu a compreensão e uma grande sabedoria. “Ser” ou
“Não Ser”; “Existir” ou “Não Existir” transformou-se num passe de mágica em
“Ser” e “Não Ser”; “Existir” e “Não Existir”. Nesta dialética de poder ser as
duas coisas, renasceu , finalmente, a verdadeira essência divina em ambos os
Deuses. Dotados deste novo saber, Dia e Noite
não precisaram nunca mais se tolerar. Brotou algo maior do que a
tolerância entre eles. Copulando suas energias no crepúsculo, gestaram e
pariram o infinito. Mais do que um dia ou uma noite, o “Para Sempre” passou a
ser a maior prova de amor entre os Deuses da Noite e do Dia. Deste amor entre
eles, nasceu o tempo. E o tempo não para... Segue sendo Dia, segue sendo Noite.
E como já disse anteriormente... Filho de Deus, Deus é. Deus Tempo, filho do Deus Dia com o Deus
Noite há também de existir para sempre mesmo que o tempo mude.
ESPAÇO DE REFLEXÃO
- O meu desejo é mais importante para mim ou para mundo?
- O meu desejo é o desejo mais importante a ser realizado neste momento, ou pode haver outros tão importantes quanto o meu que inviabilizam a realização imediata do mesmo?
- Dou conta de coexistir junto com o outro ou me imponho uma existência solitária para que todo espaço existente seja ao outro privado e a mim concedido como um privilégio?
- Aceito não ser prontamente atendido neste meu desejo atual?
- Ao invés de me tornar um "intolerante", dou conta de administrar, com tolerância, meus momentos de intolerância?
DESAFIO
Olhe para o outro sem
o desejo de querer enxergar, apenas, a si mesmo.
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