sábado, 15 de fevereiro de 2014

NÓ DA INTOLERÂNCIA




DESCOBRI QUE SOU MEIO PSICÓTICO.
VIVO NUM  MUNDO
ONDE A LEI É MEU DESEJO.
DESTITUÍDO DA REALIDADE,
VEJO SEU DESEJO ME PERSEGUINDO,
QUERENDO MATAR O MEU.
ARMO-ME COM A INTOLERÂNCIA
PARA NÃO HABITAR
E NEM MESMO COMPARTILHAR
UM MUNDO QUE NÃO SEJA O MEU.


DESCOBRI QUE SEU MUNDO
ESTÁ FORA E BEM ALÉM  DE MIM.
REJEITO A LEI DO SEU DESEJO
PERSEGUINDO COM OS MEUS
A SUPREMACIA DE SEU SER.
TOLERO APENAS
AQUILO QUE NÃO TOLERAS EM MIM.
NA NOSSA DIVISA TERRITORIAL
HÁ GRANADAS DE PROTEÇÃO
QUE DESTROEM QUALQUER RELAÇÃO MÚTUA.


EM MEIO A TANTAS DESCOBERTAS
HÁ ALGO ENCOBERTO POR NÓS.
TALVEZ A CAPACIDADE DE CONJUGAR
O VERBO NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL.
CONJUGAR O NOSSO MUNDO.
UM MUNDO QUE NÃO SEJA SÓ MEU
OU SÓ SEU, APENAS.
QUE SEJA,  SOBRETUDO
AMADO, OU NO MÍNIMO,  TOLERADO
POR NÓS DOIS.


Pacífico, de pacífico não tinha nada; só a necessidade de ser tal qual o seu nome. Não tolerava nada. Tudo tinha que sair do seu jeito. Incapaz de lidar com as suas frustrações, andava sempre muito furioso. Queria que o mundo e as pessoas fossem  à imagem e semelhança de seus desejos.
Pacífico separou-se da sua primeira esposa por não dar conta de tolerar os limites impostos pelo corpo da mesma para gerar um filho. Sem dar conta de respeitar o tempo que esta esposa precisava para conseguir engravidar, resolveu se separar e apostar numa segunda chance de ter um filho segundo a rítmica de seus egoísticos desejos. Embora, a primeira esposa tenha conseguido se engravidar de um outro homem mais tolerante e paciente,  três anos depois desta separação, Pacífico nunca se deu por vencido; insistia em dizer que a ex-esposa  negara lhe conceder o filho tão desejado e não a sua intolerância para esperar o tempo certo para isto.
Casado pela segunda vez, teve, finalmente, o filho tão desejado.  Seu filho nunca conseguiu ser percebido como um filho, ou seja, como um ser independente; sempre foi percebido como uma extensão de seus desejos. Seu filho deveria ter a personalidade que  a sua cabeça doente criou e não a personalidade  criada pela essência de vida concedida ao mesmo. Na cabeça de Pacífico, o filho deveria ser muito pacífico; pacífico o suficiente para tolerar todos os desmandos e tormentos que este pai concedia a este filho. Ao contrário de tudo que desejava, ganhou da vida um filho muito rebelde e agressivo. Dona Vida parecia querer ensinar alguma coisa a Pacífico espelhando no filho a própria cara do pai.
 Desde a mais tenra idade, Pacífico não tolerava as mínimas dificuldades do filho, até mesmo as dificuldades próprias da idade. Forçou o filho a andar antes que este estivesse, de fato, preparado. Isto rendeu ao mesmo muitas cicatrizes no rosto. Era uma criança que caía muito, pois foi privado de engatinhar para ofertar ao mundo passos aos quais não estava preparado. E assim, foi caminhando pela vida afora, conduzido pela ânsia e pelas imposições de um pai ditador, despreparado para os passos que era constantemente obrigado a dar, sempre  tropeçando e caindo ao longo  das tortuosas estradas da vida que ousava imaturamente trilhar. Na adolescência, pai e filho viviam em pé de guerra;  cada um querendo impor o seu mundo ao outro. Só não havia abertura para compartilharem o mundo do outro.
Das escolhas que o filho fez na vida, pouquíssimas delas foram toleradas por Pacífico. Armava-se da intolerância para impor ao filho uma vida que só era desejada por si mesmo. Para firmar uma identidade, o filho seguiu as piores referências que o pai lhe ensinara desde o seu nascimento através de seu próprio exemplo;  tornou-se mais intolerante ainda que seu mestre paterno. Se o mestre é bom, o discípulo quase sempre o suplanta. E, foi assim, que o filho conseguiu superar o pai na intolerância e no ódio.  


Aprendemos a ser intolerante com os intolerantes que nos cercam. Exemplos é que não faltam numa sociedade avessa à tolerância. Se viver a tolerância é difícil, com certeza, viver a intolerância é ainda muito mais, já que a energia desta não é agradável de ser sentida, nem tampouco, conjugada. O intolerante só conjuga os ditames de seu ego ditador. Tem muita dificuldade para aceitar as diferenças que são sempre vistas como uma ameaça ao modelo de vida que ele estabeleceu como saudável e correto; na verdade, saudável  apenas para si mesmo, pois em nenhum momento, deseja saber se as normas de sua ditadura é saudável para o outro. 
A intolerância não abre espaços para paciência e para serenidade reinar. O semblante de um intolerante está sempre fechado denotando uma fisionomia que pronuncia uma ordem de afastamento. A interação é sempre evitada e temida. O intolerante só interage com seus próprios desejos. Vivemos numa sociedade intolerante. Foi preciso criar leis para que as diferenças pudessem ser aceitas e respeitadas. A intolerância religiosa, racial, sexual, dentre outras, já fez inúmeras vítimas fatais. Embora hoje, sejamos obrigados a tolerar, não atingimos ainda a maturidade para naturalmente aceitar e perceber a importância das diferenças. Enquanto a maturidade não chega, precisaremos ser monitorados por leis que restrinjam e coíbam a supremacia de nosso ego.
A nossa criança interna faz birras; quer que seus desejos sejam atendidos, por mais mesquinhos que sejam. Nunca quer saber se a atenção exclusiva aos seus desejos prejudica outras pessoas. O importante é a satisfação de suas demandas. Um ser maduro consegue conciliar a satisfação de suas necessidades com as do próximo. Sabe perceber a existência do outro e não somente a sua própria. O imaturo só percebe o outro quando este lhe convém ou realiza seus desejos. O ser maduro sabe que é também “o próximo” diante do outro; consegue interagir, compartilhar e valorizar as diferenças. Se as diferenças o incomoda, sabe, no mínimo, respeita-las ou propor acordos. O intolerante tem sempre uma frase pronta que vomita diante de qualquer adversidade: “Eu não sou bobo!”. Para não viver a condição de “bobo” ou por temer ser “passado para trás”, quer  estar sempre à frente de todos. Para isto, não respeita o espaço alheio, deseja um espaço só seu. Se irrita profundamente quando tem que conjugar espaços. Exemplos clássicos de intolerância acontecem, a cada minuto, no trânsito caótico de nossas cidades. Se alguém se encontra à frente de um intolerante no trânsito, num ritmo mais lento, obrigando-o a desacelerar... Eis o cenário perfeito para a intolerância reinar.  Buzinar rispidamente, frear bruscamente diante do outro, fechar e até mesmo bater no veículo alheio são estratégias de condutores imaturos que desejam impor a sua condição frente o desejo de ser único num cenário tão diversificado e complexo. Assistimos cenas cada vez mais bizarras. As pessoas se enlouquecem diante da necessidade de compartilhar um  espaço cada vez menor nas ruas de nossas cidades.   Há também os intolerantes com sinais de trânsito. São capazes de desrespeita-los, mesmo diante de um pedestre atravessando a rua. Quantas vezes, quase fui atropelada na cidade do Rio de Janeiro, pelos intolerantes que circulam pelas ruas desta cidade maravilhosa, principalmente pelos condutores de transportes coletivos. Que perigo! Intolerantes conduzindo inúmeras pessoas ao longo do dia, não só no trânsito, mas dentro de escolas como educadores, dentro de famílias como pais, dentro de igrejas como padres e pastores, enfim dentro de cada um de nós pode existir um intolerante muito perigoso. É preciso ficar atento às imprudências dos intolerantes. Aliás, um intolerante acaba sendo sempre muito negligente e imprudente. São pessoas que apresentam extrema dificuldade para lidar com limites. Para aqueles que possuem estas dificuldades, acaba sendo necessário usar a linguagem energética a qual estão habituados e aptos a entender para impor um respeito que poderia ser natural. A criação de leis duras acaba sendo um mal necessário, entretanto, incapaz de solucionar o problema.  O ideal ainda está muito longe de ser alcançado – a capacidade de agir naturalmente segundo uma consciência calcada no bem coletivo. A ação humana é ainda conduzida pelas “normas” de bom convívio  e não pela “consciência” de boa convivência.  Infelizmente, ainda há muitos seres humanos que precisam ser adestrados. A educação por si só não funciona para quem resiste aos limites, à observância e  respeito ao próximo. Mas, a educação aliada à uma ética social, hoje escassa, é com certeza o caminho rumo a este ideal.
Saber comungar é uma virtude rara. Tem gente que se diz comungar com Deus, mas na verdade, só comunga os desejos que impõe a este realizar. Vê Deus como uma propriedade privada – “Deus a mim pertence e a mim deve servir”.  Poe desejos em Deus que são, na verdade, seus. Deus deve desejar o que deseja e executar as suas ordens, quase sempre travestidas de pedidos ingênuos e bonzinhos.  Se Deus realiza um desejo do outro que vá contra o seu, a ira inconsciente contra o mesmo é detonada. Temendo este Deus que ele próprio criou, acaba projetando sua ira contra a pessoa mais próxima por medo de ser punido por este ser divino, criado à sua imagem, semelhança e intolerância. Desconta no outro aquilo que não dá conta de cobrar de Deus.  A incapacidade de ver Deus como Deus, acessível a qualquer criatura, seja ela a mais desprezível nos conceitos de quem quer que seja, impede aos seres humanos comungar.
Da comunhão nasce o relacionamento, o compartilhamento e a interação. Nasce também a irmandade; deixo de ser filho único para ser mais um. Neste cenário onde coexisto, sou incitado a dividir com o irmão. O conjunto deixa de ser unitário, preenchido apenas por mim; passa a ser um conjunto infinito. Se já é difícil compartilhar com duas ou mais pessoas um espaço em comum, imagina compartilhar com infinitos seres este mesmo espaço. Nossa missão é muito maior do que imaginamos. Rejeitamos esta missão quando agimos com intolerância. A tolerância será o primeiro passo para interagirmos de forma mais harmônica com o outro e com tudo que nos rodeia. Se conseguirmos cumprir a nossa missão, seremos muito mais do que tolerantes, seremos seres sábios e amorosos. Sairemos deste mundinho estreito que impomos a nós mesmos numa tentativa de controlar tudo e a todos e conseguiremos perceber um universo complexo e incontrolável dentro de todos nós. Compreenderemos que somos partes de um todo e ao mesmo tempo um todo formado por infinitas partes. Saberemos que nenhuma parte exclui a outra, apenas se complementam. Dotados de uma consciência de complementariedade, brigaremos menos, pois nos sentiremos menos ameaçados. Sem a ameaça nos rondando, saberemos que poderemos coexistir. Coexistindo, não seremos solitários; compartilharemos a nossa essência de ser ao mesmo tempo tão parecido e tão diferente do outro. Para entender melhor a dinâmica deste compartilhamento, leia a história abaixo.

A Briga entre os Deuses


Na nossa cultura, geralmente cultuamos um só Deus. Há, por outro lado, outras culturas que veneram vários Deuses ao mesmo tempo. Independente de qualquer coisa, a minha imaginação divina, cria histórias que possam tornar mais compreensível o que é, deveras, complicado de entender. Sendo assim, pouco importa se Deus vai ser uno ou múltiplo. O importante é que ele seja. Começo a minha história com um Deus que resolveu parir vários filhos, portanto, Deuses também, pois filho de Deus, Deus é.  E é a história destes filhos que vou lhes contar agora.
O grande Deus teve muitos filhos, alguns deles combinavam muito bem, outros nem tanto, como por exemplo, o Deus Dia e o Deus Noite. Houve uma época em que o Dia e a Noite não se toleravam. O Dia só aceitava o seu desejo de ser luz e a Noite só aceitava o seu próprio desejo de ser escuridão. O Deus Dia  ficava muito chateado quando o Deus  Noite chegava e impunha a sua presença. Achava que a chegada da Noite lhe roubava o seu brilho, a sua luz e a sua importância de SER. Temia perder o seu reinado e que a Noite pudesse passar a governar para sempre a vida no planeta onde foram criados. Por outro lado, a Noite tinha a mesma chateação. Não tolerava nem um pingo de luz para não se sentir subtraída e exterminada pelo Dia. Mas, independente da chateação destes Deuses, o Dia e a Noite sempre morriam e deixavam de existir em algum momento e em algum lugar, como também, renasciam e  passavam a existir em algum momento e em algum lugar. Nestes tempos remotos, Dia e Noite existiam totalmente independentes um do outro; cada um fazendo o seu papel e rejeitando o papel do outro. Cada um se achando mais importante e reverenciando o seu desejo exclusivo de Ser. Dia e Noite se rejeitavam completamente. Não havia entre ambos nenhum espaço de interação. O dia se apagava e a noite aparecia como num passe de mágica, assim como o acender e o apagar de uma lâmpada. Ambos sabiam da existência do outro, só não sabiam da importância deste outro, de certa forma, desconhecido. A ameaça que cada um representava era o único conhecimento que possuíam um do outro.  Conheciam, apenas, uma operação: Deixo de ser quando o outro passa a ser. Deixo de existir quando o outro existe. Ser ou Não Ser; Existir ou Não Existir, passou a ser uma questão complicada na vida do Deus Dia e do Deus Noite. Como eram Deuses, eram, com certeza, muito importantes e poderosos. Jamais seriam extintos. Mas, mesmo sabendo que eram para sempre Dia e Noite e que existiriam para sempre como Dia e Noite,  sentiam que, mesmo existindo,  deixavam de Ser e de Existir em algum momento. Que operação complicada! O Deus, pai do Dia e da Noite, percebendo a complexidade deste problema e a intolerância que reinava entre Dia e Noite, resolveu intervir. Criou um momento onde pudesse haver uma interação e uma troca mútua entre o Dia e a Noite; um momento onde eles pudessem compartilhar as suas diferenças. A lâmpada não seria acesa e apagada num passe de mágica. Haveria um processo de transformação onde um Deus pudesse sentir o outro completamente. Foi assim que criou o crepúsculo matinal , um momento onde o dia não é tão dia assim, e, o crepúsculo vespertino, um momento onde a noite não é tão noite assim. O dia experimenta em seu corpo a energia da noite e vice versa. Dia e noite se interagem, sentindo a energia provida por cada um e a energia provida entre ambos neste acasalamento crepuscular.
Foi neste momento de interação mútua, que o Deus Dia e o Deus Noite compreenderam que são ambos, um só Deus, partes de um todo; partes que se complementam mutuamente. Foi neste momento mágico, de tolerância mútua, que nasceu a compreensão e uma grande sabedoria. “Ser” ou “Não Ser”; “Existir” ou “Não Existir” transformou-se num passe de mágica em “Ser” e “Não Ser”; “Existir” e “Não Existir”. Nesta dialética de poder ser as duas coisas, renasceu , finalmente, a verdadeira essência divina em ambos os Deuses. Dotados deste novo saber, Dia e Noite  não precisaram nunca mais se tolerar. Brotou algo maior do que a tolerância entre eles. Copulando suas energias no crepúsculo, gestaram e pariram o infinito. Mais do que um dia ou uma noite, o “Para Sempre” passou a ser a maior prova de amor entre os Deuses da Noite e do Dia. Deste amor entre eles, nasceu o tempo. E o tempo não para... Segue sendo Dia, segue sendo Noite. E como já disse anteriormente... Filho de Deus, Deus é.  Deus Tempo, filho do Deus Dia com o Deus Noite há também de existir para sempre mesmo que o tempo mude. 


ESPAÇO DE REFLEXÃO



  • O meu desejo é mais importante para mim ou para mundo?
  • O meu desejo é o desejo mais importante a ser realizado neste momento, ou pode haver outros tão importantes quanto o meu que inviabilizam a realização imediata do mesmo?
  • Dou conta de coexistir junto com o outro ou me imponho uma existência solitária para que todo espaço existente seja ao outro privado e a mim concedido como um privilégio?
  • Aceito não ser prontamente atendido neste meu desejo atual?
  • Ao invés de me tornar um "intolerante", dou conta de administrar, com tolerância, meus momentos de intolerância?


DESAFIO


Olhe para o outro sem o desejo de querer enxergar, apenas, a si mesmo.

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