NÓS
domingo, 19 de agosto de 2018
quarta-feira, 9 de julho de 2014
NÓ DO MÊS
A DIALÉTICA DO
DESEJO
DESEJEI O DESEJO
DESEJEI A FALTA DELE.
NA FARTURA DE TANTOS DESEJOS
ME FALTOU O DESEJO CERTO,
CERTAMENTE , A AUSÊNCIA DELE.
A AUSÊNCIA SE FAZ FALTA
DA FALTA BROTA
O INSANO DESEJO
QUE TUDO DESEJA,
INCITANDO-ME DESEJAR TUDO
QUE NÃO DEVO ANSIAR.
A ÂNSIA FEDE
FEDE DESEJO QUE NÃO MOVE
MOVE DESEJO QUE REMOVE VIDA.
EXALANDO ESTE AROMA QUE NÃO SAI DE MIM.
QUISERA EU, TER CHEIRO DE NADA,
O NADA EXALA UM VAZIO
QUE NÃO DOU CONTA DE PREENCHER.
EMPANTURRADA COM TUDO
QUE TAMBÉM NÃO ME PREENCHE
CONTINUO DESEJANDO
O CRUEL E DIALÉTICO DESEJO
DE NADA DESEJAR
O NÓ DO DESEJO
Desidéria sempre foi uma mulher
repleta de desejos. Desejava, sobretudo, ser “a desejada”. Nunca foi nutrida
satisfatoriamente com afeto pelas figuras parentais. Não se sentiu objeto de
desejo em suas primeiras relações objetais. Era uma criatura muito carente. Nasceu no
distrito de uma pequena cidade do interior, mas sempre desejou os grandes
centros. Amaldiçoava as suas origens, a
sua terra desconhecida e o povo simples daquele lugar. Sonhava com a pompa, com o luxo e com o poder de sedução das
atrizes de cinema de Hollywood. Escondia
sua mania de grandeza por detrás de uma fachada de simplicidade forjada e
dramatizada para ser aceita e querida. Mas, a sua máscara sempre caia no
convívio diário com gente que não preenchesse a sua sede de musa. Sentia-se a
vítima dos encantamentos e desencantamentos que provocava nos outros. O que
Desidéria mais temia era , na verdade, o que ela mais desejava. Temia a inveja
das outras pessoas. Ser a invejada pressupunha não só ter o que o outro não
tinha, mas, sobretudo, gerar neste outro o incômodo desejo de possuir o que era
exclusividade sua. Gostava deste jogo de poder – poder ter o poder que ao outro
faltava. Mas, por outro lado, este jogo lhe rendia a negatividade deste outro
que, invejando-a, tentava sugar a sua
luz. Mesmo que artificial, esta luz que Desidéria exibia só iluminava o mundo
de pessoas que se encantavam com a futilidade.
Desidéria nunca desejou, de fato, ser
ela mesma. Na verdade, não sabia, nem mesmo, quem ela era de fato. Acostumada a
representar, confundia-se com seus personagens preferidos. Era vítima dos encantamentos
de pessoas iguais a ela. Chorava a dor de ser absorvida por tantas energias
negativas, mas não abria mão deste cenário ao qual escolheu representar seu
drama pessoal. Algumas vezes, tinha a lucidez de sentir a luz de sua alma. No entanto,
esta luz não iluminava cenários artificiais. A luz de sua alma iluminava apenas
o que ela rejeitava viver: uma vida autêntica. Ser verdadeira era o grande
desafio que Desidéria sempre rejeitou. Escrava de um Ego que a aprisionava nas
grades de insaciáveis desejos de ser o centro das atenções, pagava a pena diária
da infelicidade e da paralisia de seu desenvolvimento pessoal. Por traz da
imagem de uma mulher sedutora e poderosa,
vivia uma criança assustada e mimada que ditava as regras para um ser que não
conseguia ter autoridade sobre si mesma. Sentindo sempre a falta de alguma
coisa que não sabia o que, Desidéria contraiu uma depressão que se tornou a sua
maior companheira.
Temos
muitos desejos. É bom ou ruim tê-los? É bom tê-los na medida certa, na linha
que define o equilíbrio que nos faz seguir em frente, buscar e construir
objetivos saudáveis de vida. É ruim, quando nos tornamos escravos dos mesmos e
perdemos a nossa direção. Há quem deseje direcionar o outro, além de si mesmo.
Deixar o outro numa posição que lhe seja cômoda para satisfazer os desejos,
mesmo que insanos, de um ego devorador. Há quem deseje não só a própria vida,
mas a vida alheia também. Aos insaciáveis, os desejos se tornam perversos e
doentios. Com desejos doentes a gente se
torna doente também.
Não
é necessário negar os nossos desejos. Precisamos administra-los. A negação de
desejos estimula, ainda mais, outro desejo mais forte - o desejo de não desejar.
Há
quem só deseje e não opere trabalhos necessários para a realização de seus
desejos. Isto é muito perigoso, pois gera inúmeras frustrações. Trabalhar para
realizar é uma lei muito importante que gera realização e, consequentemente,
satisfação. O indivíduo frustrado é aquele que não realiza. O indivíduo que não
realiza é aquele que não executa o trabalho certo. O indivíduo que não trabalha
é aquele que deseja ser servido; para isto, acaba por transformar o outro em seu
servo, ou no mínimo, deseja isto.
Alguns
grandes mestres trabalharam no sentido de anular o desejo e o ego. Em função
disto, muitos veem os desejos como uma manifestação imatura de nosso ser. A
imaturidade sempre vai existir frente à maturidade. É o nosso obstáculo, mas é
também a nossa desafiante condição atual. Há sempre a possibilidade de sermos
mais maduros do que somos no momento. Mesmo o maior mestre que por aqui tenha
passado, é imaturo frente a maturidade que ainda possa alcançar. Como seres
humanos, estamos ainda numa condição muito imatura de ser: o “ser desejante”; não adianta querermos negar esta nossa
condição. O melhor a fazer no momento é administra-la. Como salientei, anteriormente, nega-la pode
ser muito perigoso, podendo incitar desejos ainda mais perniciosos capazes de
se tornarem obsessões. Somos seres de falta. Não sabemos ainda lidar com ela.
Somos como uma criança que não aprendeu ainda a andar. Daí, não adianta exigir
desta criança a condição de mestre. Como fazer uma maratona de dezenas de
quilômetros se não conseguimos ainda dar os nossos primeiros passos, ou se
estamos ainda apoiados em algum suporte que nos mantem de pé ou tentando nos
equilibrar para levantar e não cair? Antes de nos tornarmos mestres na área do
desejo, precisamos passar primeiro pela condição de aprendiz; aprender,
sobretudo, a desejar de forma saudável e cada vez menos de uma forma doentia tal
qual somos estimulados a maior parte do tempo, principalmente por uma sociedade materialista e capitalista que se mantem forte graças à nossa fragilidade.
Quanto mais frágil, mas voraz seremos
para nos sustentar com algo que nos dê a ilusão de força e plenitude. O mundo
capitalista não precisa de pessoas fortes; precisa de pessoas vorazes. Assim,
estará sempre nos estimulando a pensar que temos muito pouco e que precisamos
de muito para sermos, de fato, reconhecidos e aceitos.
Somos
quase sempre muito egocêntricos. O egocentrismo é uma condição infantil que deveria
ser superada quando nos tornamos adultos. No entanto, crescemos só no tamanho e
na idade. Dentro de um corpo adulto existe, quase sempre, uma criança fazendo
birras descomunais. É preciso
entendermos que os nossos desejos não são ordens que precisam ser
necessariamente cumpridas, principalmente pelo outro que nem sempre compartilha
o mesmo desejo nosso.
Desidéria
era um ser carente e um ser carente demanda sempre muito mais do que se tem.
Nunca está satisfeito consigo mesmo e com nada que alcança. O desejo de uma
pessoa carente não tem limite. E, sem limite fica esta pessoa, sobretudo, para
desejar.
Como
seres de falta, precisamos representa-la para não sentirmos angustiados. Precisamos
aprender a lidar com as nossas perdas, saber o que fazer com elas para não
cairmos em depressão. O desejo saudável ajuda no sentido de favorecer a busca
de novas conquistas. O deprimido traz para dentro de seu ser a perda e a derrota,
materializando a falta através de uma doença que é a somatização daquilo que não
consegue suprir em si mesmo. O deprimido é como um ser sem suprimento. Podemos,
em algum momento, não ter todos os ingredientes para fazer uma boa feijoada,
mas precisamos ter suprimento para fazer, no mínimo, um feijão que mate a nossa
fome. Se não tiver feijão, transformar a
fome num jejum que nos torne, no mínimo, mais fortes espiritualmente. Transformar
as nossas derrotas numa experiência de crescimento é o mínimo para quem deseja
seguir em frente. Ruminar nossas desgraças só traz indigestão mental, emocional
e física.
A
pessoa madura consegue lidar com a lei da interdição: dizer sim ao que pode ser
sim e dizer não ao que não pode ser. Isto não significa ser resignado e desistir de mudar aquilo que você pode
mudar. Precisamos desistir de mudar apenas o que não depende da gente mesmo e aceitar esta nossa impotência frente algumas situações
na vida. É importante reconhecermos os nossos limites. Mas, a quem queira tudo e não aceite nunca um
não. O “não” só deve ser direcionado ao outro, jamais a si mesmo para criança
mimada que mora dentro de nós.
Lidar
também com o desejo do outro não é nada fácil. Para ser reconhecido pelo outro,
muitos deixam de reconhecer os seus mais profundos desejos. Para ser o bonzinho,
deixa de ser suficientemente bom para si mesmo. Para não contrariar o outro, se contraria. Para não frustrar o outro, acaba
quase sempre frustrado e não ensina a este outro aprender a lidar com suas
próprias frustrações. Faz deste outro o seu senhor e se torna o seu escravo.
Para não desaprovar, desaprova-se. O medo de perder o amor e o reconhecimento,
faz com que perca algo muito importante – a sua auto-estima e respeito por si
mesmo. Para ser aprovado, reprova o seu
mais nobre direito – ser único e diferente. É como se tentasse, a todo momento,
dizer para o outro: “Eu penso como ti, eu desejo o que você deseja, eu sou como
você”. Esta atitude além de perigosa, é um crime e um atentado contra si mesmo.
Lidar
com nossos desejos de forma madura será sempre o nosso maior desafio. Se você deseja
se libertar de algum desejo, precisa, primeiro, aceita-lo e aprender a conviver
com o mesmo, jamais nega-lo. Podemos criar equações menos complicadas para
resolver, diante da nossa incapacidade de solucionar equações mais complexas de
desejos que dão um nó em nossa mente. Com a mente focada numa equação mais
simples e passível de ser solucionada com nossas atuais habilidades, talvez
seja mais fácil abandonar uma outra que a gente esteja inapta a resolver. É mais fácil substituir um desejo por outro do
que destruí-lo. Desejo não se destrói, transforma-se. Talvez, a historinha
abaixo, consiga demonstrar a dialética dos desejos que tomam sempre conta de
nosso ser.
ERA UMA VEZ...
Era uma vez um desejo que desejava não desejar. Saiu pelo mundo pregando a
importância de matar ele mesmo e os
perigos de ser o que ele era - desejo. E cada vez que ele negava si mesmo, mais
ele se afirmava como tal. E, à medida que ele se afirmava através de sua
negação, mais ele crescia e mais forte ficava. E assim, ele foi crescendo e se
fortalecendo quando o que ele mais
desejava era sumir e se enfraquecer. Foi ficando tão grande que passou ocupar
espaços que não desejava ocupar, pois a gente se ocupa mais daquilo que a gente
se obriga desocupar, do que daquilo que a gente nunca pensou a respeito. Virou
um gigante! De tão grande, já não cabia mais em qualquer lugar, fazendo com que
lugares cada vez maiores precisassem ser conquistados para cabe-lo e serem,
consequentemente, ocupados por ele. E,
por mais que ele pensasse: “Não preciso deste lugar” - mais dependente dele ele
ficava, pois tudo aquilo que a gente mais tenta se convencer não precisar, mais
dependente a gente fica desta coisa. A verdade é que a gente só não precisa
daquilo que a gente nunca pensa a respeito. Com tanto pensamento desejoso, o
mundo foi ficando cada vez mais complicado e estratégias para conter a si
mesmo, cada vez mais necessárias. Mas, o necessário é o remédio que aumenta o
apetite do desejo. Assim, diante da necessidade ele foi ficando cada vez mais
voraz. Nesta voracidade, foi devorando muita coisa e se tornou obeso, pesado
demais. Ficou tão pesado que ficava difícil carregar a si próprio. E o peso foi
deixando o desejo cansado. Cansado, ele foi ficando sem disposição. Sem
disposição ele foi ficando sem vontade. E sem vontade ele foi ficando... Foi
ficando, simplesmente. E, neste estado de não ter que ser e não ter que ir para
lugar algum... Era uma vez um desejo.
ESPAÇO DE REFLEXÃO
Seus desejos
são saudáveis ou perversos?
Seus desejos
são seus ou você os impõe ao outro?
Seus desejos
são um tônico para estruturar objetivos saudáveis de vida e trabalhar na
consecução dos mesmos ou são ruminações obsessivas, famintas e sedentas de
poder?
DESAFIO
Sente-se
diante de um espelho e tenha uma séria conversa com o outro que você
internalizou como sendo o seu “senhor”,
fazendo com que você negue os seus próprios desejos para satisfazer os dele. Diga
a ele:
Eu não penso como ti.
Eu não desejo as mesmas coisas que você.
Eu sou diferente e único.
Eu
tenho meus próprios desejos.
Eu
posso ser bom sem ser bobo.
Eu
posso ser reconhecido respeitando os meus desejos.
Eu
respeito os seus desejos, mas não nego os meus.
O
fato de eu não satisfazer seus desejos, não significa que o meu amor por você
não exista. O amor não deixa de existir só porque os desejos não podem ser
satisfeitos.
Eu
me posiciono.
Eu
enfrento os seus desejos avessos aos meus.
Eu
me acalento quando meus desejos não podem ser realizados.
Eu
enfrento o seu desejo de aniquilar o meu, mesmo com medo.
Eu
respeito o seu desejo sem precisar me desrespeitar.
sábado, 15 de fevereiro de 2014
NÓ DA INTOLERÂNCIA
DESCOBRI QUE SOU MEIO PSICÓTICO.
VIVO NUM MUNDO
ONDE A LEI É MEU
DESEJO.
DESTITUÍDO DA
REALIDADE,
VEJO SEU DESEJO ME
PERSEGUINDO,
QUERENDO MATAR O MEU.
ARMO-ME COM A
INTOLERÂNCIA
PARA NÃO HABITAR
E NEM MESMO
COMPARTILHAR
UM MUNDO QUE NÃO SEJA O
MEU.
DESCOBRI QUE SEU MUNDO
ESTÁ FORA E BEM ALÉM DE MIM.
REJEITO A LEI DO SEU
DESEJO
PERSEGUINDO COM OS MEUS
A SUPREMACIA DE SEU
SER.
TOLERO APENAS
AQUILO QUE NÃO TOLERAS
EM MIM.
NA NOSSA DIVISA
TERRITORIAL
HÁ GRANADAS DE PROTEÇÃO
QUE DESTROEM QUALQUER
RELAÇÃO MÚTUA.
EM MEIO A TANTAS
DESCOBERTAS
HÁ ALGO ENCOBERTO POR
NÓS.
TALVEZ A CAPACIDADE DE
CONJUGAR
O VERBO NA PRIMEIRA
PESSOA DO PLURAL.
CONJUGAR O NOSSO MUNDO.
UM MUNDO QUE NÃO SEJA
SÓ MEU
OU SÓ SEU, APENAS.
QUE SEJA, SOBRETUDO
AMADO, OU NO
MÍNIMO, TOLERADO
POR NÓS DOIS.
Pacífico, de pacífico não tinha nada;
só a necessidade de ser tal qual o seu nome. Não tolerava nada. Tudo tinha que
sair do seu jeito. Incapaz de lidar com as suas frustrações, andava sempre
muito furioso. Queria que o mundo e as pessoas fossem à imagem e semelhança de seus desejos.
Pacífico separou-se da sua primeira
esposa por não dar conta de tolerar os limites impostos pelo corpo da mesma
para gerar um filho. Sem dar conta de respeitar o tempo que esta esposa
precisava para conseguir engravidar, resolveu se separar e apostar numa segunda
chance de ter um filho segundo a rítmica de seus egoísticos desejos. Embora, a
primeira esposa tenha conseguido se engravidar de um outro homem mais tolerante
e paciente, três anos depois desta
separação, Pacífico nunca se deu por vencido; insistia em dizer que a
ex-esposa negara lhe conceder o filho
tão desejado e não a sua intolerância para esperar o tempo certo para isto.
Casado pela segunda vez, teve,
finalmente, o filho tão desejado. Seu
filho nunca conseguiu ser percebido como um filho, ou seja, como um ser
independente; sempre foi percebido como uma extensão de seus desejos. Seu filho
deveria ter a personalidade que a sua
cabeça doente criou e não a personalidade criada pela essência de vida concedida ao
mesmo. Na cabeça de Pacífico, o filho deveria ser muito pacífico; pacífico o
suficiente para tolerar todos os desmandos e tormentos que este pai concedia a
este filho. Ao contrário de tudo que desejava, ganhou da vida um filho muito
rebelde e agressivo. Dona Vida parecia querer ensinar alguma coisa a Pacífico
espelhando no filho a própria cara do pai.
Desde a mais tenra idade, Pacífico não
tolerava as mínimas dificuldades do filho, até mesmo as dificuldades próprias
da idade. Forçou o filho a andar antes que este estivesse, de fato, preparado.
Isto rendeu ao mesmo muitas cicatrizes no rosto. Era uma criança que caía
muito, pois foi privado de engatinhar para ofertar ao mundo passos aos quais
não estava preparado. E assim, foi caminhando pela vida afora, conduzido pela
ânsia e pelas imposições de um pai ditador, despreparado para os passos que era
constantemente obrigado a dar, sempre
tropeçando e caindo ao longo das
tortuosas estradas da vida que ousava imaturamente trilhar. Na adolescência,
pai e filho viviam em pé de guerra; cada
um querendo impor o seu mundo ao outro. Só não havia abertura para compartilharem
o mundo do outro.
Das escolhas que o filho fez na vida,
pouquíssimas delas foram toleradas por Pacífico. Armava-se da intolerância para
impor ao filho uma vida que só era desejada por si mesmo. Para firmar uma identidade,
o filho seguiu as piores referências que o pai lhe ensinara desde o seu
nascimento através de seu próprio exemplo; tornou-se mais intolerante ainda que seu
mestre paterno. Se o mestre é bom, o discípulo quase sempre o suplanta. E, foi
assim, que o filho conseguiu superar o pai na intolerância e no ódio.
Aprendemos
a ser intolerante com os intolerantes que nos cercam. Exemplos é que não faltam
numa sociedade avessa à tolerância. Se viver a tolerância é difícil, com
certeza, viver a intolerância é ainda muito mais, já que a energia desta não é
agradável de ser sentida, nem tampouco, conjugada. O intolerante só conjuga os
ditames de seu ego ditador. Tem muita dificuldade para aceitar as diferenças
que são sempre vistas como uma ameaça ao modelo de vida que ele estabeleceu
como saudável e correto; na verdade, saudável apenas para si mesmo, pois em nenhum momento,
deseja saber se as normas de sua ditadura é saudável para o outro.
A
intolerância não abre espaços para paciência e para serenidade reinar. O
semblante de um intolerante está sempre fechado denotando uma fisionomia que
pronuncia uma ordem de afastamento. A interação é sempre evitada e temida. O
intolerante só interage com seus próprios desejos. Vivemos numa sociedade
intolerante. Foi preciso criar leis para que as diferenças pudessem ser aceitas
e respeitadas. A intolerância religiosa, racial, sexual, dentre outras, já fez
inúmeras vítimas fatais. Embora hoje, sejamos obrigados a tolerar, não
atingimos ainda a maturidade para naturalmente aceitar e perceber a importância
das diferenças. Enquanto a maturidade não chega, precisaremos ser monitorados
por leis que restrinjam e coíbam a supremacia de nosso ego.
A
nossa criança interna faz birras; quer que seus desejos sejam atendidos, por
mais mesquinhos que sejam. Nunca quer saber se a atenção exclusiva aos seus desejos
prejudica outras pessoas. O importante é a satisfação de suas demandas. Um ser
maduro consegue conciliar a satisfação de suas necessidades com as do próximo.
Sabe perceber a existência do outro e não somente a sua própria. O imaturo só
percebe o outro quando este lhe convém ou realiza seus desejos. O ser maduro
sabe que é também “o próximo” diante do outro; consegue interagir, compartilhar
e valorizar as diferenças. Se as diferenças o incomoda, sabe, no mínimo, respeita-las
ou propor acordos. O intolerante tem sempre uma frase pronta que vomita diante
de qualquer adversidade: “Eu não sou bobo!”. Para não viver a condição de “bobo”
ou por temer ser “passado para trás”, quer estar sempre à frente de todos. Para isto, não
respeita o espaço alheio, deseja um espaço só seu. Se irrita profundamente quando
tem que conjugar espaços. Exemplos clássicos de intolerância acontecem, a cada
minuto, no trânsito caótico de nossas cidades. Se alguém se encontra à frente de
um intolerante no trânsito, num ritmo mais lento, obrigando-o a desacelerar...
Eis o cenário perfeito para a intolerância reinar. Buzinar rispidamente, frear bruscamente
diante do outro, fechar e até mesmo bater no veículo alheio são estratégias de
condutores imaturos que desejam impor a sua condição frente o desejo de ser
único num cenário tão diversificado e complexo. Assistimos cenas cada vez mais
bizarras. As pessoas se enlouquecem diante da necessidade de compartilhar
um espaço cada vez menor nas ruas de
nossas cidades. Há também os
intolerantes com sinais de trânsito. São capazes de desrespeita-los, mesmo
diante de um pedestre atravessando a rua. Quantas vezes, quase fui atropelada
na cidade do Rio de Janeiro, pelos intolerantes que circulam pelas ruas desta
cidade maravilhosa, principalmente pelos condutores de transportes coletivos. Que
perigo! Intolerantes conduzindo inúmeras pessoas ao longo do dia, não só no
trânsito, mas dentro de escolas como educadores, dentro de famílias como pais,
dentro de igrejas como padres e pastores, enfim dentro de cada um de nós pode
existir um intolerante muito perigoso. É preciso ficar atento às imprudências
dos intolerantes. Aliás, um intolerante acaba sendo sempre muito negligente e
imprudente. São pessoas que apresentam extrema dificuldade para lidar com
limites. Para aqueles que possuem estas dificuldades, acaba sendo necessário
usar a linguagem energética a qual estão habituados e aptos a entender para impor
um respeito que poderia ser natural. A criação de leis duras acaba sendo um mal
necessário, entretanto, incapaz de solucionar o problema. O ideal ainda está muito longe de ser
alcançado – a capacidade de agir naturalmente segundo uma consciência calcada
no bem coletivo. A ação humana é ainda conduzida pelas “normas” de bom convívio e não pela “consciência” de boa convivência. Infelizmente, ainda há muitos seres humanos
que precisam ser adestrados. A educação por si só não funciona para quem
resiste aos limites, à observância e
respeito ao próximo. Mas, a educação aliada à uma ética social, hoje
escassa, é com certeza o caminho rumo a este ideal.
Saber
comungar é uma virtude rara. Tem gente que se diz comungar com Deus, mas na
verdade, só comunga os desejos que impõe a este realizar. Vê Deus como uma
propriedade privada – “Deus a mim pertence e a mim deve servir”. Poe desejos em Deus que são, na verdade, seus.
Deus deve desejar o que deseja e executar as suas ordens, quase sempre travestidas
de pedidos ingênuos e bonzinhos. Se Deus
realiza um desejo do outro que vá contra o seu, a ira inconsciente contra o
mesmo é detonada. Temendo este Deus que ele próprio criou, acaba projetando sua
ira contra a pessoa mais próxima por medo de ser punido por este ser divino,
criado à sua imagem, semelhança e intolerância. Desconta no outro aquilo que
não dá conta de cobrar de Deus. A
incapacidade de ver Deus como Deus, acessível a qualquer criatura, seja ela a
mais desprezível nos conceitos de quem quer que seja, impede aos seres humanos
comungar.
Da
comunhão nasce o relacionamento, o compartilhamento e a interação. Nasce também
a irmandade; deixo de ser filho único para ser mais um. Neste cenário onde
coexisto, sou incitado a dividir com o irmão. O conjunto deixa de ser unitário,
preenchido apenas por mim; passa a ser um conjunto infinito. Se já é difícil
compartilhar com duas ou mais pessoas um espaço em comum, imagina compartilhar
com infinitos seres este mesmo espaço. Nossa missão é muito maior do que
imaginamos. Rejeitamos esta missão quando agimos com intolerância. A tolerância
será o primeiro passo para interagirmos de forma mais harmônica com o outro e
com tudo que nos rodeia. Se conseguirmos cumprir a nossa missão, seremos muito
mais do que tolerantes, seremos seres sábios e amorosos. Sairemos deste
mundinho estreito que impomos a nós mesmos numa tentativa de controlar tudo e a
todos e conseguiremos perceber um universo complexo e incontrolável dentro de
todos nós. Compreenderemos que somos partes de um todo e ao mesmo tempo um todo
formado por infinitas partes. Saberemos que nenhuma parte exclui a outra,
apenas se complementam. Dotados de uma consciência de complementariedade,
brigaremos menos, pois nos sentiremos menos ameaçados. Sem a ameaça nos rondando,
saberemos que poderemos coexistir. Coexistindo, não seremos solitários;
compartilharemos a nossa essência de ser ao mesmo tempo tão parecido e tão
diferente do outro. Para entender melhor a dinâmica deste compartilhamento,
leia a história abaixo.
A Briga entre os Deuses
Na nossa cultura, geralmente
cultuamos um só Deus. Há, por outro lado, outras culturas que veneram vários Deuses
ao mesmo tempo. Independente de qualquer coisa, a minha imaginação divina, cria
histórias que possam tornar mais compreensível o que é, deveras, complicado de
entender. Sendo assim, pouco importa se Deus vai ser uno ou múltiplo. O
importante é que ele seja. Começo a minha história com um Deus que resolveu
parir vários filhos, portanto, Deuses também, pois filho de Deus, Deus é. E é a história destes filhos que vou lhes
contar agora.
O grande Deus teve muitos filhos,
alguns deles combinavam muito bem, outros nem tanto, como por exemplo, o Deus
Dia e o Deus Noite. Houve uma época em que o Dia e a Noite não se toleravam. O
Dia só aceitava o seu desejo de ser luz e a Noite só aceitava o seu próprio
desejo de ser escuridão. O Deus Dia ficava muito chateado quando o Deus Noite chegava e impunha a sua presença. Achava
que a chegada da Noite lhe roubava o seu brilho, a sua luz e a sua importância
de SER. Temia perder o seu reinado e que a Noite pudesse passar a governar para
sempre a vida no planeta onde foram criados. Por outro lado, a Noite tinha a
mesma chateação. Não tolerava nem um pingo de luz para não se sentir subtraída
e exterminada pelo Dia. Mas, independente da chateação destes Deuses, o Dia e a
Noite sempre morriam e deixavam de existir em algum momento e em algum lugar,
como também, renasciam e passavam a
existir em algum momento e em algum lugar. Nestes tempos remotos, Dia e Noite
existiam totalmente independentes um do outro; cada um fazendo o seu papel e
rejeitando o papel do outro. Cada um se achando mais importante e reverenciando
o seu desejo exclusivo de Ser. Dia e Noite se rejeitavam completamente. Não
havia entre ambos nenhum espaço de interação. O dia se apagava e a noite
aparecia como num passe de mágica, assim como o acender e o apagar de uma
lâmpada. Ambos sabiam da existência do outro, só não sabiam da importância
deste outro, de certa forma, desconhecido. A ameaça que cada um representava
era o único conhecimento que possuíam um do outro. Conheciam, apenas, uma operação: Deixo de ser
quando o outro passa a ser. Deixo de existir quando o outro existe. Ser ou Não
Ser; Existir ou Não Existir, passou a ser uma questão complicada na vida do
Deus Dia e do Deus Noite. Como eram Deuses, eram, com certeza, muito importantes
e poderosos. Jamais seriam extintos. Mas, mesmo sabendo que eram para sempre
Dia e Noite e que existiriam para sempre como Dia e Noite, sentiam que, mesmo existindo, deixavam de Ser e de Existir em algum momento.
Que operação complicada! O Deus, pai do Dia e da Noite, percebendo a
complexidade deste problema e a intolerância que reinava entre Dia e Noite, resolveu
intervir. Criou um momento onde pudesse haver uma interação e uma troca mútua
entre o Dia e a Noite; um momento onde eles pudessem compartilhar as suas
diferenças. A lâmpada não seria acesa e apagada num passe de mágica. Haveria um
processo de transformação onde um Deus pudesse sentir o outro completamente.
Foi assim que criou o crepúsculo matinal , um momento onde o dia não é tão dia
assim, e, o crepúsculo vespertino, um momento onde a noite não é tão noite
assim. O dia experimenta em seu corpo a energia da noite e vice versa. Dia e
noite se interagem, sentindo a energia provida por cada um e a energia provida entre ambos neste acasalamento crepuscular.
Foi neste momento de interação mútua,
que o Deus Dia e o Deus Noite compreenderam que são ambos, um só Deus, partes
de um todo; partes que se complementam mutuamente. Foi neste momento mágico, de
tolerância mútua, que nasceu a compreensão e uma grande sabedoria. “Ser” ou
“Não Ser”; “Existir” ou “Não Existir” transformou-se num passe de mágica em
“Ser” e “Não Ser”; “Existir” e “Não Existir”. Nesta dialética de poder ser as
duas coisas, renasceu , finalmente, a verdadeira essência divina em ambos os
Deuses. Dotados deste novo saber, Dia e Noite
não precisaram nunca mais se tolerar. Brotou algo maior do que a
tolerância entre eles. Copulando suas energias no crepúsculo, gestaram e
pariram o infinito. Mais do que um dia ou uma noite, o “Para Sempre” passou a
ser a maior prova de amor entre os Deuses da Noite e do Dia. Deste amor entre
eles, nasceu o tempo. E o tempo não para... Segue sendo Dia, segue sendo Noite.
E como já disse anteriormente... Filho de Deus, Deus é. Deus Tempo, filho do Deus Dia com o Deus
Noite há também de existir para sempre mesmo que o tempo mude.
ESPAÇO DE REFLEXÃO
- O meu desejo é mais importante para mim ou para mundo?
- O meu desejo é o desejo mais importante a ser realizado neste momento, ou pode haver outros tão importantes quanto o meu que inviabilizam a realização imediata do mesmo?
- Dou conta de coexistir junto com o outro ou me imponho uma existência solitária para que todo espaço existente seja ao outro privado e a mim concedido como um privilégio?
- Aceito não ser prontamente atendido neste meu desejo atual?
- Ao invés de me tornar um "intolerante", dou conta de administrar, com tolerância, meus momentos de intolerância?
DESAFIO
Olhe para o outro sem
o desejo de querer enxergar, apenas, a si mesmo.
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
NÓ DA TRISTEZA PATOLÓGICA
VIVO
QUASE CHEGOU A MORRER
DENTRO DE MIM.
MORTO
ANDA TÃO VIVO AQUI
DENTRO
QUE CHEGO A
PROCURA-LO FORA.
LÁ FORA ENCONTRO
APENAS
UMA SEPULTURA COM SEU
NOME.
AQUI DENTRO
O MEU AMOR SOBREVIVE
NÃO ACEITA MORRER.
VIVA
MORRO
DEVAGAR
A VAGAR PELO DESEJO
DE ENCONTRAR
O QUE FICOU
PERDIDO.
ENCONTRANDO APENAS
O
NOSSO DESENCONTRO
NÃO CONSIGO MAIS ME
ENCONTRAR.
PERDIDA DE VOCÊ
PERDIDA EM MIM
ANDO TITUBEANDO
ESBARRANDO
NAS ARESTAS DE UMA
HISTÓRIA
QUE NÃO PODE SER MAIS
RESTANDO-ME O
CONTENTAMENTO
DE CONTA-LA, APENAS
VIVÊ-LA...
JAMAIS
VAZIA
PREENCHO-ME
DO QUE NÃO PODE SER
NUTRINDO-ME DE FALTAS
NOCAUTEANDO A ALEGRIA
QUE DESEJA VENCER
O INIMIGO QUE EU
NUTRO
NO MEU SER
QUE NÃO ME DEIXA SER
FELIZ
MEU SER TRISTE
SE ENGRANDECE
COM A SUA FALTA
E COM A FALTA
DAQUILO QUE EU
PODERIA SER.
SEM VOCÊ
SEM MEU PODEROSO EU
PERDIDO
FICO SOZINHA
COM O PSEUDO SER
DAS MINHAS SOMBRAS.
O NÓ DA TRISTEZA PATOLÓGICA
Sônia
tornou-se, ao longo da vida, uma especialista. Há vários tipos de especialistas,
principalmente, na área médica. Há médicos que tratam das mais variadas dores.
Sônia não era médica, mas era especialista em dor; não era especialista no
tratamento de dores, mas no cultivo delas. Parecia sentir certo prazer em
sentir-se triste. A dor da tristeza preenchia seu mundo vazio.
Os olhos de
Sônia sempre procuravam as trevas. Toda luz que incidisse sobre sua vida era
apagada, rapidamente, com seu humor constantemente deprimido. Era especialista
em procurar problemas insolúveis mesmo em circunstâncias onde as soluções eram
evidentes. Procurava a solidão mesmo quando um grande amor procurava o seu
aconchego. Não abria seu coração. Mantinha suas portas sempre bem trancadas
para não ter que dividir seu mundo e seu espaço com mais ninguém que não fosse
ela mesma. Foi diagnosticada como deprimida. Tomou inúmeros antidepressivos,
tratou com os melhores e mais variados
profissionais de saúde, aderiu a vários cultos religiosos, mas nada
conseguiu despertar a felicidade adormecida ou mortificada em seu ser doentio, obcecado pela tristeza.
Sônia tornou-se
uma mulher, eternamente, insatisfeita. Não conseguiu amar e nem mesmo se sentir
amada por ninguém, embora se considerasse uma pessoa amorosa. Confundia
possessividade com amor. “Tinha” seus amores, mas não conseguia “sentir” seus
amores. Não encontrou nenhuma profissão
que a preenchesse de fato. Trabalhava por obrigação e não por prazer. Aliás,
prazer era uma coisa que não sabia vivenciar; só o prazer de ser uma pessoa
doída.
Quem observava
o mundo que envolvia Sônia, chegava a pensar que ela tinha todos os motivos
para ser uma pessoa feliz e bem sucedida. Sempre teve uma boa posição social,
um ótimo emprego e salário, morava num bairro maravilhoso, num ótimo apartamento, tinha muitos bens,
recursos materiais e inúmeras pessoas que lhe amavam ao seu redor; enfim, era
dotada de uma vida farta, relativamente sem dificuldades. Mas, nada do que
tinha seduzia esta mulher viciada em dificuldades, em faltas e em tudo aquilo
que ficou perdido. Sônia matou, lentamente, quase todos os seus amores e suas
conquistas. Nunca valorizou as dádivas ofertadas pela vida, só as perdas.
Parecia se sentir nutrida apenas com aquilo que lhe faltava. Nutria-se de dor.
Pode parecer loucura, mas este é único
alimento que saciava a sua fome
de ser uma mulher que se identificava, sobretudo, com a infelicidade.
Tristeza faz parte da vida, mas não precisa ser o
nosso pão do dia a dia. Tristeza deve ser consequência e não o nosso alimento e
meta de vida. É inevitável, natural e saudável expressar tristeza quando a
perda nos atinge. Existe sempre uma perda por detrás da tristeza. Precisamos
enfrenta-la e transforma-la para que a verdadeira alegria possa novamente
habitar o cenário de nossa vida. A negação da tristeza não trás nenhum bem
estar a nenhuma criatura. Fingir alegria não transmuta nenhuma energia
negativa. No entanto, todo problema existe para ser resolvido e transmutado.
Talvez, a melhor definição para o termo saúde seja a “capacidade de sair do problema”. E, a melhor definição para o termo
doença seja “a permanência no problema”.
Elaborar o perdido é um processo difícil e doído, no
entanto, fundamental ao nosso crescimento e amadurecimento psicológico. Há, entretanto, pessoas que se negam elaborar
qualquer perda, mínima que seja. Como Sônia, ao invés de tratarem da dor,
alimentam-na e fortalecem a negatividade. A tristeza deixa de ser uma
consequência de uma perda para se transformar numa fonte que abastece a própria
vida. A convivência com pessoas assim é sempre muito difícil, pois estas
criaturas são, demasiadamente, destrutivas e negativas; fazem sempre questão de
se resvalarem nas arestas de todo relacionamento para infundirem feridas em seu
ser doentio que possam se transformar em motivo de dor e sofrimento. A
felicidade é indesejada e, de certa
forma, um incômodo para os viciados em dor. Pode parecer um paradoxo, mas a
infelicidade passa a ser a “felicidade” almejada. Tem gente assim? Tem muita
gente assim. Aliás, mesmo que não sejamos assim, possuímos uma tendência a
vivenciar, vez ou outra, este padrão de comportamento. Em algumas pessoas, esta
característica passa a ser um padrão de comportamento frequente e definitivo,
em outras, um traço esporádico que aparece de vez em quando. Muitas mulheres, por exemplo, manifestam este
traço de comportamento negativista e deprimido no inconveniente período da TPM.
É importante lembrar que durante este período o corpo da mulher se prepara para
receber um outro ser. É como se houvesse uma abertura para que ela possa
receber e nutrir um outro espírito. Se
ela não engravida de um ser humano, a sintonia da mulher nesta fase, vai fazer
com que ela se engravide de energias
negativas ou positivas. A negatividade que existe dentro de nosso ser pode
tornar este período insuportável.
Personalidades negativas possuem uma forte tendência à depressão, embora a
depressão não seja uma doença causada apenas por este padrão comportamental. Há
inúmeros fatores capazes de gerar uma predisposição
ou desencadear a depressão, dentre eles, fatores genéticos. Há, portanto, pessoas deprimidas que não se encaixam dentro
deste perfil.
Os viciados em dor não desejam nunca curar as próprias
feridas. Cutucam-nas para que possam abri-las um pouco mais e acentuar a dor.
Não conseguem preencher a vida com os habituais prazeres que a grande maioria
se abastece. A tristeza é o grande combustível capaz de mover a vida destas
pessoas; sem ela, não conseguem sentir.
Não adianta querer ajudar este tipo de pessoa a
cultivar prazer na vida ou a curar a tristeza por eles tão vangloriada. Falam
de suas tristezas como se não gostassem dela, no entanto, não abrem mão da
mesma. Estão sempre à procura de problemas e do lado negro da vida e de todas
as pessoas que lhe cercam. São povoados por um vazio capaz de ser preenchido
apenas pela falta. Paradoxal. Como pode a falta preencher um vazio? A falta é
repleta de contextos de vida trágicos, negativos que nos enchem de tristeza e amargura.
Há paladar para tudo. Há quem goste do sabor da dor e se vicie no desejo de ter
o que nunca poderá ser possuído. Se possuído, perde o encanto e um novo desejo
impossível nasce infundindo novamente uma falta que gera um desprazer,
paradoxalmente, prazeroso para mantê-lo neste ciclo vicioso. Para algumas
pessoas a vida deve ser pesada para ser sentida. A capacidade de sentir
encontra-se bloqueada por certa insensibilidade. É como se o toque da leveza não
pudesse ser sentido, só a dureza e a aspereza. É como se houvesse uma roupagem muito pesada para proteger a sua
pele emocional impedindo que toques leves e suaves possam ser percebidos.
Provavelmente, em algum momento da vida
foram significativamente feridos precisando, como defesa, confeccionar uma
véstia emocional bem grossa para se
proteger de novas feridas. Com uma véstia assim, só situações bem pesadas
conseguem tocar este pele tão protegida. E como precisamos do toque para
sentirmos vivos, só uma “porrada” muito grande despertará sensações
significativas nestas pessoas.
Há cura para este tipo de personalidade? Há cura para
tudo, dependendo da abertura e da sintonia da pessoa envolvida neste processo
de cultivar a dor. O caminho da conscientização é sempre o primeiro passo.
Difícil entender a dinâmica do ser doído. Talvez seja melhor entender tudo isto de uma
forma mais lúdica. Nada melhor do que uma boa história para ajudar nossa
criança interna entender esta complexidade toda.
TRISTIXINHA
Era uma vez uma lagartixa chamada Tristixinha que
nasceu num sobrado abandonado. A história dela começa mais ou menos assim...
Crac, crac. A casca de um pequeno ovo foi,
repentinamente, rompida e de lá saiu uma linda lagartixa. Seus olhos assustados
olharam o mundo procurando algo que nem ela sabia bem o quê. Como todo
recém-nascido, provavelmente, por uma mãe que lhe pudesse dar proteção e
referências neste novo mundo tão amplo e desconhecido. Mas, o que encontrou foi
apenas um sobrado antigo, abandonado e a si mesma no meio disto tudo. O que
fazer agora? Sobreviver! Ecoou dentro de si um eco vindo de seu mundo
instintivo. E, foi neste mundo
instintivo que Tristixinha buscou todas as informações para poder sobreviver,
crescer e se defender de todos os perigos; aprendeu a caçar sozinha seu
alimento, se cuidar e se proteger.
Sobreviveu, cresceu e se tornou uma linda lagartixa. Vivia
sozinha, sem saber bem o que era tristeza ou alegria. Vivia uma vida vazia onde
sobreviver era o grande lema de sua vida. Tinha a adrenalina como companhia quando algum
perigo punha em risco a sua vida. Mas, passado o perigo, a monotonia tomava
conta. Tomada, constantemente, por esta energia, resolveu, certo dia, conversar
com ela:
_ Quem é você que me invade tanto todos os
dias?
_
Sou a Dona Monotonia. Respondeu aquele sentimento incômodo.
_ Mas,
a sua companhia é muito chata! Daria para me deixar em paz? Reclamou a
lagartixinha exibindo uma careta bem feia.
_ Para
isto precisaria chamar a Dona Felicidade. Ela, com certeza, vai preencher a sua
vida com alguma coisa interessante. Ponderou Dona Monotonia sem se sentir
incomodada com o incômodo de Tristixinha.
_E
você?.. Não poderia preencher a minha vida com estas coisas interessantes?
Retrucou a lagartixa.
_Infelizmente,
não. Eu só preencho a vida das pessoas com o nada. Nada mais do que isto.
Respondeu, com firmeza, Dona Monotonia.
_ Nada! Como assim? Perguntou a lagartixa com uma expressão confusa.
_ Nada! Como assim? Perguntou a lagartixa com uma expressão confusa.
_ Nada
que provoque um sentimento bom ou ruim. Preencho com o vazio. E, pelo que vejo,
meu vazio deve ser cheio de coisas chatas, pois a maioria das pessoas reclamam
que estão cheias do vazio que lhes oferto. Por outro lado, não fazem nada verdadeiramente efetivo para
sair dele. Embora reclamem, acho que acabam gostando dele. Salientou Dona Monotonia.
_
Mas, eu não estou gostando nem um pouco deste vazio. Você poderia me dizer onde
eu posso encontrar esta Dona Felicidade? Solicitou Tristixinha.
_ Ela
costuma estar em todos os lugares, mas nem sempre conseguimos enxerga-la. Eu,
por exemplo, nunca consegui ver a cara dela. Dizem que é preciso estar atenta.
Abra bem seus olhinhos! Quem sabe assim, você consegue enxerga-la ou mais do
que isto, senti-la. Alertou Dona Monotonia.
_ Enxerga-la
e senti-la? Não entendi. Dá para explicar melhor? Solicitou a lagartixa.
_ Dizem
que tem gente que consegue enxergar Dona Felicidade, mas não consegue senti-la.
Mas, não me pergunte o por que; porque como eu lhe disse, “nada” é quase tudo
que eu sei. Até encontra-la, contente-se com a minha companhia. Uma vida
monótona pode não ser uma vida tão interessante, mas é uma forma de vida,
principalmente para aqueles que não encontram uma forma de viver que valha à
pena. Aconselhou Dona Monotonia.
_ Mas,
o que vale à pena viver? Perguntou a lagartixa colocando suas mãozinhas na
cintura e batendo seus pezinhos no chão como se tivesse ao mesmo tempo fazendo
uma reivindicação.
_ Eu
não sei nada sobre isto, mas ouvi dizer por aí que, o que vale à pena é aquilo
que nos retira a pena que a gente se impõe pagar todos os dias. Confesso que
não entendi... Admitiu Dona Monotonia.
Tristixinha também não entendeu e não gostou muito das
colocações de Dona Monotonia, mas teve que aceitar e se contentar com a marcante presença dela ,
sempre ali, sem faze-la sentir algo que desse um sentido à sua vida. Absorta em
seus pensamentos sobre o sentido da vida e sobre a pena que Dona Monotonia
fizera referência, foi despertada por um barulho estranho vindo da cozinha
daquele sobrado a tantos anos totalmente abandonado. Correu até lá e surpreendeu-se.
Deparou-se com uma família de lagartixas decididas a mudar para aquele local. Os
olhos de Tristixinha se arregalaram. Com seus olhinhos bem arregalados deixou
de sentir Dona Monotonia e foi tomada pelo sentimento de ameaça. Escondeu-se
atrás de um velho armário, também abandonado, e pôs-se a observar o
comportamento daqueles seres tão diferentes dela. Aos olhos de Tristixinha, a
diferença era tão grande que jamais poderia supor que se tratava de seres da
sua espécie. Ao longo do tempo que as fitou atentamente, presenciou atitudes
jamais imaginadas; aquelas lagartixas davam estridentes risadas, se abraçavam,
dançavam, contavam histórias inéditas que Tristixinha não conseguia absorver. Que sentimento era
aquele vivenciado por aqueles seres tão estranhos? Seria a Dona Felicidade comentada por Dona
Monotonia? Tristixinha passou muitos dias escondida, observando aquela forma
estranha de ser que ela desconhecia. Tinha vontade de experimentar aqueles
sentimentos novos e estranhos expressados, naturalmente, por todas elas, mas
não conseguia. Teve vontade de roubar estes sentimentos de uma delas, mas não
sabia como fazer isto. Se soubesse
faria, pois um sentimento novo começou habitar aquela lagartixinha; começou a
sentir falta daquilo que nunca sentiu, mas que assistia
escondida por detrás daquele armário abandonado. Mesmo sem ter um dia
experimentado ou possuído aquilo tudo, sentiu-se invadida pelo sentimento de
falta. Tinha a sensação de que algo lhe foi roubado pela vida e uma sensação
ainda maior de perda tomou conta de seu ser. De posse destas sensações novas,
Dona Monotonia nunca mais apareceu, mas Tristixinha passou a ser preenchida por
um sentimento novo até então desconhecido. Confusa, resolveu travar uma nova
conversa com esta energia nova que tomava conta de seu ser:
_Quem
é você que me preenche com tanta intensidade?
_ Sou
Dona Tristeza. Respondeu aquele sentimento novo.
_ Dói
muito sentir você. Reclamou Tristixinha.
_ Então,
está tudo certo, pois é justamente esta a minha função; faze-la sentir dor. Esclareceu
Dona Tristeza.
_ Mas,
eu não quero sentir dor. Retrucou Tristixinha.
_ Então,
me retire de seu ser. Eu não tenho o poder de permanecer dentro de você, caso
não me permita residir aqui. Informou Dona Tristeza.
_ E,
como é que posso tirar você de dentro de mim? Perguntou Tristixinha.
_ Abrindo
espaços para a alegria, por exemplo. Se ela entrar, eu saio. Temos frequências
energéticas opostas e não suportamos coexistirmos juntas. Salientou Dona
Tristeza.
_ Você
deseja ficar ou sair de dentro de mim? Indagou Tristixinha.
_ Eu
não desejo nada. Apenas, realizo o seu desejo de me manter aqui dentro ou de
sair em busca de outro ser. Sendo mais clara...Você deseja! Esclareceu Dona
Tristeza.
Apontando para as Lagartixas que conversavam,
alegremente, numa farta mesa de lanche, à base de mosquitinhos de inúmeras
espécies, Tristixinha perguntou:
_Você
as habita também?
_ Às
vezes, mas não consigo permanecer dentro delas por muito tempo. Elas
possuem uma energia poderosa dentro
delas que me acolhe por certo tempo, mas acaba me expulsando, em algum momento,
e cedendo espaço para a alegria entrar.
_ Que
energia é esta? Perguntou Tristixinha exalando muita curiosidade.
_ Dona Felicidade. Poderosíssima! Exclamou
Dona Tristeza expressando certo respeito e admiração por aquela energia .
_ Não entendi muito bem! Por que ela deixa
você entrar e depois te expulsa de lá. Perguntou Tristixinha franzindo sua
testa.
_ Ela, inclusive, sempre me agradece quando eu vou
embora. Sempre diz ser necessária minha presença, porém equilibrada, na vida das
pessoas. Ponderou Dona Tristeza.
_ Presença
equilibrada desta dor que você nos oferta? Como assim? Perguntou confusa a
lagartixinha tristonha.
_ Não
sei lhe explicar muito bem. Você teria que acolher a Felicidade dentro de você
para entender tudo isto na prática. A única coisa que ela sempre diz é que o
equilíbrio oferta saúde, maturidade e iluminação para todos os seres. Alertou Dona Tristeza.
_
Eu quero estas coisas. Parece serem boas! Se eu te mandar embora agora, você
vai, Dona Tristeza? Demandou Tristixinha.
_ É
claro que vou! Mas, você quer isto mesmo? Afirmou Dona Tristeza indagando, ao
mesmo tempo, o verdadeiro desejo de Tristixinha.
_ Tem, por acaso, alguém que não quer?
Perguntou a lagartixinha movimentando sua calda.
_ Tem
muita gente que só me quer passageira. São aquelas pessoas dotadas de
Felicidade. Outras, entretanto, me querem definitiva. Colocam a minha energia
em tudo que pensam e fazem. Estão semmmpre tristonhas! Chegam, algumas vezes, a
contrair uma doença chamada depressão que lhes rendem uma nova identidade. Explicou
Dona Tristeza.
_ Identidade?
O que é isto?
_ Identidade
é como se fosse o seu rótulo, a sua marca. Estas pessoas passam a ter o rótulo de depressivas e parecem ganhar
algumas coisas com isto. Conjecturou Dona Tristeza.
_ O
que elas ganham?
_ Muitas
coisas! Cuidados médicos, atenção ou até mesmo a falta de atenção do outro que
passa a não suporta-las. Mas, vítimas da falta de atenção ou de qualquer outra
falta, elas ganham um álibi poderoso para me manter dentro delas. Acho que sou,
de certa forma, viciante. Completou Dona Tristeza dando uma risadinha
sarcástica.
_ Viciante?
O que é isto? Perguntou, novamente, Tristixinha querendo compreender este mundo
complexo relatado por Dona Tristeza.
_ É
o que me mantem dentro de você. Se não estivesse viciada em mim, já me teria
mandado embora a muito tempo. Não
ficaria me perguntando se eu iria embora. Você me colocaria para fora de você e
pronto. Já faz muito tempo que estou dentro de ti. Já teve tempo suficiente
para viver a minha dor e aprender com
ela algumas coisas. Se me mantem aí dentro é porque está viciada em mim. Você
deseja ser uma lagartixa triste. De hoje em diante, lhe darei uma identidade
nova. Seu nome passa a ser Tristixinha – a lagartixinha triste. Ironizou Dona
Tristeza criando esta identidade para
Tristixinha.
_ Mas,
eu quero ser uma lagartixinha alegre. Afirmou Tristixinha se opondo à Dona
Tristeza.
_ Alegrixinha
são as lagartixas que você fica assistindo todos os dias sem, no entanto, ter
coragem de se aproximar delas. Sem perceber, se seduz a ter a vida delas ao invés de construir a sua.
Começou a ser habitada por Dona Inveja que precisa da minha mãozinha para se
manter atuante na sua vida. Se tiver coragem de construir uma vida diferente,
provavelmente, teremos que abandonar você. Por outro lado... Antes que Dona
Tristeza continuasse falando, foi interrompida pela lagartixinha que se
expressou apavorada:
_ Mas,
eu não quero ser abandonada! Fui vítima do abandono desde o meu nascimento. Não
tenho nada daquilo que as alegrixinhas possuem.
_ Você
quer dizer que não possui um pai, uma mãe, enfim ,uma família e amigos ? Acho que tem medo de ser abandonada
até mesmo por mim. Foi por isso que lhe perguntei se desejava mesmo ser
abandonada pela dor que lhe proporciono. Parece que te preencho de alguma
forma. Mas, há outras maneiras de se preencher. Assegurou Dona Tristeza.
_ Como?
Me ensine, por favor! Implorou Tristixinha.
_ Eu
não tenho como lhe ensinar isto. Só posso lhe proporcionar o saber da dor. Mais
nada além disto. Afirmou Dona Tristeza.
Tristixinha caiu em prantos pela primeira vez. Nunca
havia chorado na vida. Sentiu que aquele choro era bom; aliviava um pouco a
presença da dor e lhe fazia se sentir mais leve. A tristeza pesa; pesa tanto
que, nos últimos tempos, Tristixinha não
conseguia nem se mover mais com facilidade. Cada movimento solicitava um
esforço fenomenal. E, sem movimento, fica difícil ir em busca de coisas novas.
Um pouco mais aliviada e relaxada, caiu no sono e dormiu profundamente. Foi
acordada por uma alegrixinha que bateu, carinhosamente, em suas costas,
despertando-a:
_ Ei,
quem é você? Você está bem? Precisa de ajuda?
Tristixinha arregalou seus olhinhos assustados e
congelou-se. Não conseguia movimentar-se para fugir e nem mesmo para dizer
alguma coisa.
A
alegrixinha assustada com a reação de Tristixinha chamou, apavorada, toda a
família:
_ Socorro!
Venham aqui atrás do armário. Temos um grande problema aqui.
A família, unida, correu até aquela parte da casa, até
então desconhecida para todos e se depararam com Tristixinha congelada. Naquela
momento, aquela lagartixinha triste deixou de ter qualquer sentimento.
Anestesiou-se. Não sentia tristeza, medo, monotonia nem mesmo a alegria tão
desejada. Parecia uma pedra de gelo. Cada membro da família das alegrixinhas
tecia um comentário:
_ Ela
parece uma estátua.
_ Mas,
ela não é estátua não. È uma lagartixa como todos nós. Está gelada. _ Parece
uma pedra de gelo.
_ O
que podemos fazer por ela, mamãe?
_ Vamos
cuidar dela. Respondeu a mamãe alegrixinha se aproximando ainda mais daquela
lagartixa congelada, colocando as mãozinhas sobre o seu rostinho, acariciando-a.
_ Com
certeza, precisamos cuidar dela. Mas, por onde devemos começar? Perguntou o pai
de todas as alegrixinhas.
_ Que
tal uma massagem daquelas bem gostosas que a senhora faz na gente, mamãe.
Ficamos tão relaxadas com seu toque. Talvez, ela possa relaxar também. Sugeriu
a alegrixinha mais velha.
_
Mais do que isto... Precisamos aquecer com o nosso toque este corpinho que
parece nunca ter sido tocado. Completou a mãe.
_ Olha
como a pele dela está ressecada e pálida. É pele de quem vive uma vida árida e
de quem está seca por dentro. Precisamos hidrata-la com o nosso amor. Emendou o
pai dando sequencia às observações da esposa.
A família inteira carregou Tristixinha até um dos
cantinhos preferidos do sobrado, eleitos por elas, como a sala de massagem. Puxaram-na
pelas perninhas e foram arrastando-a, com todo cuidado, para não causarem
nenhuma dor física ao corpinho da mesma.
_Cuidado
para não machuca-la! Carreguem com cuidado para ela não ficar com o corpo todo
doendo amanhã.
Mamãe alegrixinha colocou suas mãos preciosas sobre
aquele gélido corpinho e iniciou uma
massagem que durou mais de uma hora. À medida que massageava, o sangue de Tristixinha
corria por todas as partes de seu corpo levando uma informação nova. Seu
corpinho parecia dizer:
_ Mudança
à vista!
Lentamente, seu corpo foi se esquentando e alguns
tímidos movimentos começaram a brotar de suas mãozinhas. Tristixinha sentiu uma sensação tão nova e tão
prazerosa que não se permitia abrir seus olhinhos. A única coisa que queria,
naquele momento mágico, era experimentar aquele toque. Entregou o seu corpinho,
totalmente, para mamãe alegrixinha que doava muito mais do que um toque físico;
doava um toque que Tristixinha jamais houvera experimentado antes – o toque do
amor.
Terminada a massagem, Tristixinha abriu seus olhinhos.
Seu olhar foi recebido por um outro olhar muito afetuoso. Mamãe alegrixinha lhe
ofertou um sorriso, expressando um
convite jamais realizado por nenhum outro ser àquela lagartixa:
_ Seja
benvinda! Estamos aqui para cuidar de você. Não precisa ter medo. Não lhe
faremos mal algum. Só queremos lhe proteger.
_ Quem
são vocês? Perguntou Tristixinha.
_ Somos
uma família de lagartixas. Onde está a sua família? Perguntou a mamãe alegrixinha.
_ Eu
nunca tive uma família, moro sozinha neste sobrado desde o dia em que nasci.
_ Como
conseguiu sobreviver? Perguntaram todas as alegrixinhas em coro.
_ Você deve ser muito esperta. Se desejar, pode
fazer parte de nossa família agora. Teremos o maior prazer em tê-la ao nosso
lado. Afirmou o pai com uma autoridade afetuosa.
_ Mas
eu não sei como fazer parte de uma família. Sou muito diferente de vocês. Pode
ser que vocês não consigam gostar de mim. Lamentou Tristixinha.
_ Nós
já estamos gostando de você. Como você se chama? Perguntou a mãe alegrixinha.
_ Fui
rotulada de Tristixinha por Dona Tristeza que me habitou por muito tempo. Respondeu
a lagartixinha, naquele momento, sem a tristeza dentro dela.
_ E
agora, ela não lhe habita mais? Perguntou a alegrixinha mais nova.
_ Depois
que fui massageada por vocês, não consigo senti-la mais aqui dentro. Acho que
ela me abandonou. Tenho medo de me sentir sozinha e vazia sem a companhia dela.
Salientou Tristixinha exalando certa preocupação.
_ Você
está se sentindo vazia e sozinha? Perguntou o pai.
_
Não, nem um pouco! Sinto um sentimento muito bom dentro de mim, mas não sei
ainda do que se trata. Ele parece estar tomando conta de meu ser devagarinho. A
cada minuto que passo com vocês, sinto cada vez mais forte a presença deste
novo sentimento. Explicou Tristixinha começando a cultivar a alegria dentro
dela.
_
Você quer deixa-lo entrar e habitar o seu coração ou deseja chamar Dona
Tristeza de volta para lhe fazer companhia? Perguntou o pai.
_ Embora
eu não conheça este sentimento novo e já conheça bem Dona Tristeza, prefiro
arriscar. Vou deixar ele entrar e me habitar. Se eu não gostar dele, mando ele
embora. Na verdade, talvez nem precise fazer isto, pois Dona Tristeza me abandonou sem que eu tivesse
que expulsa-la de dentro de mim. Deduziu a lagartixinha, agora, com outros
sentimentos dentro dela.
_ Basta
deixar entrar um sentimento para que outros saiam ou entre outros junto com
ele. Todos os sentimentos que possuem a mesma frequência de energia andam
juntos. Quando deixou o amor que sinto por você entrar, parece que a alegria
começou a habitar você também. Vejo uma série de outros sentimentos na porta de
seu coração pedindo para entrar também. Vejo a paz, a esperança, enfim uma
infinidade de sentimentos bons querendo habita-la. Alertou a mãe alegrixinha.
_ Pois
eu vou deixa-los entrar! Exclamou Tristixinha com uma convicção jamais
vivenciada antes.
_ E
eu vou, de hoje em diante, lhe dar um outro nome. Daqui para frente, chamaremos
você de Felixinha. Determinou a mãe das alegrixinhas dando um largo sorriso que
além de acolher a nova lagartixinha, lhe proporcionava muita segurança.
Tristixinha foi abrindo seu coração devagarinho e a
felicidade foi entrando, também, devagarinho. Quando se deu conta, era só
felicidade! Ao longo de sua vida, pôde encontrar, de vez em quando, com Dona
Tristeza. Só que depois que se tornou uma Felixinha, a tristeza entrava e saia rapidamente. Ela
nunca mais foi a única moradora de seu coração. Até o sobrado se alegrou com a
chegada das alegrixinhas e com a importante mudança daquela lagartixinha que de
tristonha se transformou para sempre em uma lagartixa feliz. Hoje, depois de
muitos e muitos anos, a Tristixinha só
existe na lembrança de uma família de lagartixas felixinhas. E, quando alguma
lagartixa é tomada por uma tristeza duradoura, todas as outras lagartixas
recomendam: Se deseja a cura, abra seu coração e siga o exemplo de nossa
antepassada e sábia Felixinha.
ESPAÇO DE REFLEXÃO
1)Quando
a tristeza chega em sua vida, é ela quem comanda o espaço que vai habitar ou é
você quem comanda o espaço e o tempo que
dará a ela ?
2)Você
cala sua tristeza fingindo que ela não existe, ou escuta o que ela tem a lhe
dizer?
3)
Quando chega a hora da tristeza partir, você deixa ela ir embora ou você se
apega a ela, aprisionando-a dentro de ti?
DESAFIO
TRANSMUTAÇÃO!
Este é o grande desafio para quem deseja se
livrar da tristeza. Não basta manda-la embora. É necessário transforma-la.
Antes dela se transformar em alegria ou qualquer outro sentimento, é necessário
transforma-la em sabedoria. Para isto, você precisa fazer uma importante
descoberta. Precisa descobrir que a tristeza veio a serviço de alguma coisa que
você precisa vivenciar para amadurecer . Ela deseja desperta-lo para qual
aprendizado?
Depois
de vivê-la dentro do tempo necessário para este aprendizado, converse consigo
mesmo:
A minha tristeza me ensinou que...
Descobrindo
o que aprendeu com esta tristeza, é chegada a hora de mudar de sentimento. Você não precisa mandar
a tristeza embora, ela vai sozinha. Você precisa apenas mudar a sua vida. Para
isto responda para si mesmo:
O que precisa ser mudado na minha vida
daqui para frente?
De
posse desta resposta...
MUDE!
E
a tristeza partirá.
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